quarta-feira, 10 de julho de 2019

Ficção e realidade: suas influências e benefícios para o mundo real



Você tem o hábito de ler ficção? Tem noção dos benefícios que esse ato pode te trazer? Foi a partir do compartilhamento de experiências das autoras Talita Salvador (“Entre dois Mundos”) e Rosana Dias Vitachi (Trilogia “O Espelho do Monge”), com pitadas de análise profissional da psicóloga Carla Alberici, que pudemos conhecer um pouco sobre o processo de criação de histórias de ficção e de sua influência no psicológico das pessoas.  A participação da plateia também contribuiu para a realização de uma conversa franca e agradável. Eu tive o prazer de mediar essa conversa que aconteceu no último sábado, dia 06/07/2019, no Espaço Novo Mundo, da Livraria Nobel, em Guarulhos.
Veja um resumo das principais perguntas e respostas:
Mediadora: Primeiramente, peço que as escritoras comentem o que as inspirou a escrever e que façam uma sinopse de seu livro.
Talita: Tudo começou com um sonho que tive. O prólogo do meu livro é a descrição desse sonho. Quando aconteceu, corri e anotei tudo e foi a partir daí que desenvolvi toda uma historia que permitisse chegar naquele momento. Iris Tralli é uma jovem astrônoma, nascida e crescida na cidade de São Paulo, que leva uma vida rotineira e até mesmo um pouco monótona quando, inesperadamente, é convidada a fazer parte de um projeto piloto organizado pela NASA. É dada a ela justamente a oportunidade única de colocar em prática seu maior sonho: seu projeto que lhe custou anos de trabalho. Com um time de pessoas desconhecidas, recrutadas de outras partes do globo, ela enfrentará o desafio de fazer uma viagem interplanetária em um projeto nunca antes testado. Durante todo o processo Iris terá que lidar com muitos problemas inesperados, descobertas que nunca imaginou existir e muitos conflitos internos. Ela passará por muitos desafios e finalmente embarcará no seu sonho. A questão é: será que tudo isso valerá a pena?
Rosana: A trama de meu primeiro livro surgiu de anotações que fui fazendo em meu caderno, inicialmente já tinha o início e o final. A partir disso, fui desenvolvendo como sair daquele início para chegar àquele final. Nesse momento eu não tinha ideia de que iria ser uma trilogia. A necessidade de continuidade nasceu depois.
Uma história curiosa chama a atenção de uma aluna de arqueologia: O Espelho do Monge aguardava por ser encontrado. Busca ou obsessão? De qualquer forma, Safia consegue o Espelho que, segundo a lenda, reflete a alma de quem se olha nele, mas diante daquela tão esperada vitória, se vê num impasse: ou o entrega ao advogado que financiou sua busca, ou o entrega ao Anjo Guardião do Espelho. Safia então, se encoraja numa terceira opção. Opção essa, que mudará sua vida para sempre.
Mediadora: Carla, como a psicologia define o processo de criação da ficção? Há uma característica especial na pessoa que tem facilidade para criar histórias?
Carla: São as pessoas que já têm a parte direita do cérebro mais desenvolvida. Elas costumam ter mais imaginação que faz com que elas explorem outros horizontes, no caso, a ficção. Então, pra ser uma autora de ficção precisa sair um pouco fora da caixinha, precisa ter a sua imaginação mais solta. Normalmente são pessoas que tiveram esse estímulo ao longo da infância, que já se descobriram gostando de histórias, gostando de criar situações, invenções. São pessoas com pré-disposição à imaginação. Que não ficam presas a fatos concretos e deixam a mente devanear.
Mediadora: Como é o seu processo de criação de vocês? Em que horário, dias ou frequência costumam escrever?
Rosana: Preciso ter muita disciplina e tentar reservar ao menos duas horas por dia para escrever. É claro que as outras atividades do dia a dia, também precisam ser feitas, então, acontece de ter de parar de escrever em um momento em que estou envolvida com a história para fazer as outras coisas (almoço para as crianças, por exemplo). Já aconteceu de estar cozinhando, mas, ainda com a cabeça na trama e me vir uma ideia. Nesse caso, dou uma paradinha e anoto em meu fiel caderno para não perdê-la.
Talita: Procuro me esforçar para manter uma rotina, mas, quando estava escrevendo “Entre dois Mundos” havia picos de criatividade, quando a escrita fluía velozmente e outros em que nem tanto. Apesar disso eu procurava sempre manter uma frequência de escrita razoável. Brinco que sou a maior leitora de meu próprio livro.  Cada vez que lia, chegava a excluir, alterar ou reescrever um ou vários capítulos.


Mediadora: Rosana, fale um pouco sobre o seu estilo de escrita - imaginação moral – mesmo estilo de Crônicas de Nárnia e Senhor dos Anéis, certo?

Rosana: Após minha obra concluída, lendo um pouco a respeito do estilo Imaginação moral, acabei identificando-me como uma autora desse estilo. A imaginação moral pode ser definida como a capacidade de conceber os outros seres humanos como seres morais, não como meros amontoados de células cujo comportamento possa ser esquematizado em uma equação. Pelo exercício da imaginação moral (por exemplo, quando lemos uma grande obra da literatura), criamos metáforas em nossa memória que funcionarão como modelos para identificar e compreender correspondentes morais nas relações em comunidade. Por meio da alta literatura de ficção desenvolvemos uma consciência sobre o que é ser verdadeiramente humano.

Mediadora: Para que tipo de público vocês escrevem?
Talita: Eu não tinha um público específico em mente quando comecei a escrever. Escrevia para mim e pensava no tipo de história que eu gostaria de ler. Depois que eu comecei a vender e ter as redes sociais vi que a maioria era mulher, de uns 17 a 30 tantos anos. Além disso, por ser ficção científica, acaba direcionando também para o público que gosta desse tema.
Rosana: Também não tenho um público definido, mas, entendo ser uma leitura para a partir da adolescência, para  ambos os sexos.
Mediadora: Talita e Rosana, as personagens Iris e Safia têm alguma coisa em comum com vocês?
Talita: Em algumas coisas a Iris se parece comigo, em outras não. Eu a acho muito mais arrojada, mais corajosa, alguém que se joga mais do que eu. Às vezes sinto minhas personagens me cobrando para escrever mais, por exemplo. Elas acabam criando uma personalidade própria.
Rosana: Inicialmente não, mas depois fui encontrando em Safia alguns traços meus. Acho que é natural a gente usar elementos nossos para criar nossas protagonistas. Mas depois de criada, a personagem vai tomando vida própria e acaba “mandando” na gente.
Mediadora: Carla, o que faz com que as pessoas gostem de ler ficção?
Carla: Ler ficção faz com que uma pessoa se desligue de sua vida rotineira e mergulhe em uma narrativa que vai lhe proporcionar experiências que ela possivelmente não viveria na vida real. Essa leitura tanto vai fazê-la conhecer a Nasa, transportá-la para outro planeta, viver um grande amor, etc. Esse distanciamento da vida real pode ajudá-la a superar um problema que esteja vivendo. Nós psicólogos até recomendamos a leitura em alguns casos. E há alguns transtornos que impedem a pessoa de se fixar na leitura. Ela acaba não conseguindo ler e para estudar, por exemplo, acaba tendo que recorrer a vídeos ou áudios.
Mediadora: Falando nisso, há uma grande diferença entre ler um livro e assistir a um filme, não?
Carla: Sim, porque quando você assiste a um filme você já recebe muitas coisas prontas, as imagens, o formato das coisas, os detalhes, as pessoas, tudo já vem pronto para você consumir. Já com o livro não é bem assim. Você lê uma descrição, mas, tem que criar a sua versão das coisas, dos lugares, das pessoas. Cada leitor vai criar a sua versão. Por isso quando sai um filme baseado em um livro, muitas pessoas acabam não gostando de tudo o que veem porque imaginaram de outra forma.
Mediadora: Vocês já estão em processo de criação de outro livro? É uma sequência da história ou um novo enredo?
Talita: Já iniciei uma continuação do primeiro, mas, ainda está bem no início.
Rosana: Iniciei a escrita de uma contextualização histórica da Trilogia que contará com quatro contos, dois que antecedem a história principal (Trilogia) e dois depois. O projeto conta com os contos: OEDM (O Espelho do Monge) A Origem; OEDM O Mosteiro da Colina; OEDM Os Primogênitos e OEDM A Batalha Final. O primeiro conto já se encontra em fase de revisão.
Plateia: O que vocês pensam sobre o livro digital?
Talita: O livro digital pode se adequar melhor a uma geração que já nasce com o celular na mão. Para eles, esse tipo de leitura talvez seja mais aceito. Eu particularmente tenho meu Kindle, que já usei para ler algumas obras, mas, confesso que prefiro o livro físico mesmo. O folhear das páginas, o cheiro do livro, tudo isso é importante para mim e para muitas pessoas. Mas entendo que as duas formas podem conviver juntas, sem que uma vença a outra. Com relação às vendas, meus exemplares físicos vendem melhor que o E-book.
Acho também que o livro digital tem uma característica que pode cativar alguns tipos de leitores. Por exemplo, aqueles que apreciam “Hot books”, às vezes preferem lê-lo em um lugar público através de um leitor digital para não serem “descobertos” em seu tipo de leitura.
Fátima: Tenho um carinho muito grande pelo livro físico e espero que ele nunca acabe. Confesso que no inicio cheguei a ter preconceito em relação ao digital, achava difícil e até inviável a leitura pelo celular. Mas foi só trocar de aparelho, por um com letras maiores, que acabei me acostumando e hoje utilizo sem problemas. Sempre que vou a um lugar onde sei que precisarei esperar por algum tempo, como um consultório ou uma viagem de avião, não deixou de carregar um livro comigo. Quando acontece de esquecer é que recorro ao digital, disponível ali pelo meu celular.
Rosana: Creio que seja uma opção pessoal, embora acredite que o livro impresso não será substituído, pois, favorece muito mais leitores, especialmente aqueles que possuem algum tipo de limitação visual onde a tela do celular/aparelho de leitura seja prejudicial.
Mediadora: Como autoras e como psicóloga, vocês não acham que existem dois tipos de preconceito com relação à leitura? Um daquelas pessoas que dizem não gostar de ler, mesmo sem terem tentado de verdade e daquelas que acham que ler ficção seja perda de tempo, não trazendo nenhum conhecimento, como acontecem com livros técnicos, por exemplo.
Carla: Sim, o que existe é uma espécie de preconceito mesmo. O hábito de leitura normalmente se desenvolve dentro da família. Quando os pais têm habito de ler, normalmente acabam estimulando seus filhos à leitura. Existem escolas que fazem um trabalho de iniciação literária com as crianças, mas, nós não podemos deixar isso como incumbência apenas da escola.
Quanto aos livros de ficção, como eu disse, eles trazem um beneficio específico para quem lê. É uma leitura bem diferente de quando se está estudando. Não há compromisso em adquirir conhecimento, embora isso possa acontecer. É uma abstração da realidade, um tempo para desligar dos problemas, mergulhar em uma história.
Rosana: Quando alguém diz que não gosta de ler, pode ser uma espécie de trauma que tenha tido com uma tentativa de leitura errada. Nem todo mundo se adapta a todos os tipos de leitura. Por isso é importante descobrir qual tipo de leitura lhe agrada mais, introduzir leituras adequadas para cada faixa etária e ter uma educação mais eficaz nesse sentido, para construir uma cultura literária que seja mais enriquecedora.
Plateia: Quando vocês mencionam esses preconceitos, não seria também por causa do preço elevado dos livros?
Carla: Para mim é uma questão de prioridade. As pessoas acabam priorizando outras coisas, preferem gastar 50 reais fazendo uma escova no cabelo, um procedimento estético ou comprando uma blusinha em vez de gastar esses mesmos 50 reais em um livro.
Plateia: Só contribuindo com essa questão do gosto pela leitura, eu sempre gostei de ler, mas, não por influência de ninguém da minha família. Tenho cinco irmãos e nenhum deles é viciado em leitura como eu. Meu pai não queria que a gente lesse jornais. Eu ia ao açougue e lia os jornais que eram usados antigamente para embrulhar as carnes. Acho que no meu caso, isso faz parte da minha personalidade.
Plateia: Quanto às escolas, a imposição de leitura de alguns livros, obrigatórios para os alunos em determinadas situações, não contribuiria também para o fato de muitos acabarem não gostando de ler?
Rosana: Eu acredito que sim. Aquele livro imposto, sem uma contextualização e valorização adequadas por parte dos professores, pode não ser agradável àquela pessoa e aí ela já fica achando que não gosta de ler.
Plateia: Vocês autoras fizeram pesquisas para compor detalhes dos livros?
Talita: Sim, eu fiz algumas pesquisas para poder descrever o treinamento dos astronautas, por exemplo, ou a disposição dos prédios na Nasa. Mas é claro que deixei a imaginação fluir também. Só tomei o cuidado para não escrever algo muito diferente da realidade. Mesmo sendo ficção, não ficaria bem escrever algo muito impossível ou diferente do que é.
Rosana: Sim, fiz muitas pesquisas, pois sempre quis escrever com sentido, com significado. Até ao escolher o nome das personagens eu procurei não fazê-lo aleatoriamente. No último livro eu explico o significado dos nomes que acabam complementando a história.

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