domingo, 20 de dezembro de 2020

Planeta Novo

Autora: Fátima Gilioli

Sinopse:

Após detectar uma grave contaminação por vírus na Terra, dois jovens que trabalham no comando espacial da Ala Norte, região V do Alto Comando Militar Intergalático, atuam para neutralizar o problema, diante da ameaça de destruição do planeta que eles têm por função monitorar.

Planeta Novo

            Em algum lugar do espaço, em uma galáxia muito distante, uma nave pousa suavemente em sua plataforma, retornando de uma longa viagem. O piloto, jovem e arrojado, desce assobiando, feliz por mais uma de suas grandes aventuras concluídas, aparentemente com sucesso. A forma com que é recepcionado, porém, não é nada agradável.
            ─ Por onde você andou, cara? Tentei monitorar essa sua jornada irresponsável até quanto pude, mas em determinado momento, perdi conexão. O comandante não ficará nada feliz se souber da sua insubordinação. Em nome de nossa antiga amizade te fiz o favor de, até agora, manter sua “saidinha” em segredo. Só não sei por quanto tempo.
            ─ Oras, mas por quê? Eu estava em férias, esqueceu? Tive de dar uma voltinha por aí. Não aguentava mais ficar neste planeta, nessa quarentena que não termina nunca!
            O comando espacial da Ala Norte, região V do Alto Comando Militar Intergalático, é uma organização governamental do Universo que monitora à distância a vida em determinados planetas, considerados super-habitados e com sérios riscos de desaparecer e assim provocar um desequilíbrio populacional universal.
           ─ Ah sim, estava em férias e acha mesmo que isso lhe dá o direito de sair por aí, sem autorização, correndo vários riscos, inclusive o de espalhar até não se sabe onde esse vírus com o qual temos estado a batalhar por tanto tempo, sem, no entanto conseguir dizimar por completo?
          ─ Calma aí, cara. Não sou tão irresponsável assim. Eu fiz o procedimento completo de descontaminação antes de sair. Relaxa! Sabemos que o vírus N5J38 é resistente, mas pode ser neutralizado. Basta que saibamos onde está alojado. Já conseguimos até reduzir a sua capacidade de multiplicação. Faltam poucos a serem dizimados por aqui. É tudo uma questão de tempo. Essa quarentena já devia ter sido afrouxada há muito tempo. Não podemos ficar eternamente presos. Há muito que explorar lá fora.
            ─ Isso não é você quem decide. Você tem de cumprir ordens. Se a determinação é ficar em quarentena, precisa ser cumprida. Além disso, o mecanismo de desinfecção tem uma margem de erro. A essa altura você pode ter levado o N5J38 para os lugares onde passou. Aonde foi? Ah! Nem sei por que ainda perco tempo falando com você. Vou puxar o diário de bordo de sua nave. Deixe-me ver...Não acredito que você foi até a Terra! Justo lá? Nosso principal alvo de análise? Um planeta já com tantas dificuldades? Crianças, povos inteiros passando fome, reservas de água potável acabando, poluição no ar, na terra e no mar, guerras entre vários países, disputas de poder com armas atômicas espalhadas em vários pontos, violência, tantas e tantas ameaças e você os expõe a mais esse risco, porque estava em férias e sentia-se entediado?
            ─ Ah, amigo, é o seguinte, estou cansado da viagem. Meu corpo pede ao menos doze horas de sono, ok? Vou me trancar na cápsula de dormir. Não me interrompa. Tenho certeza que se você acionar a central de monitoramento da Terra vão relatar que está tudo normal e caótico como sempre. Boa noite!
            Algum tempo depois o jovem volta a falar com o amigo e as notícias que recebe não são nada animadoras.
            ─ Você tá encrencado! A central de monitoramento da Terra detectou uma grave infecção por N5J38. Por causa dele milhões de pessoas estão morrendo diariamente e outras sofrendo com as consequências desse mal. Em todo o planeta o número acumulado de mortes já passa de um bilhão. Se não fizermos nada o planeta vai ser dizimado por completo em pouco tempo.
            ─ Calma. Tem que ter um jeito. Não conseguimos eliminá-lo quase que por completo por aqui? Então! Tomaremos as mesmas providências lá e tá tudo certo.
            ─ Você fala como se tivesse sido fácil. Você sabe quão drástica foi a solução encontrada, não sabe? Tivemos de isolar para sempre todos os contaminados.
            ─ Claro que eu sei. Eu participei diretamente do projeto DESCONTAMINA. Por isso estou te dizendo que consigo. Tá certo que nosso planeta tinha um número bem menor de infectados, mas eu já tô tendo uma ideia aqui que vai ser genial! Talvez até ganhe o Nobel Intergaláctico por isso.
            ─ Que ideia maravilhosa é essa que vai permitir confinar para sempre uma população de mais de um bilhão de pessoas? Onde você vai encontrar um asteroide que comporte todo esse povo?
            ─ Já pensei em tudo. Eu sou um gênio! Tá lembrado daquele meu projeto da escola em que eu criei um asteroide com o mesmo formato da terra, em escala 1:12.000.000 ?
            O amigo dá uma risada como quem tivesse ouvido uma grande piada. Logo depois parece adivinhar os pensamentos do colega e fica visivelmente apavorado.
            ─ Não, cara, você não tá pensando em...em...isso é loucura! Não vai dar certo! Você não pode usar o laser COMPACTJET em uma parte dos humanos! Isso ainda não foi testado. Está certo que funcionou com animais, mas nunca foi testado em humanos.
            ─ Claro que funciona em humanos. Se funcionou com animais, fazendo com que reduzissem de tamanho na proporção desejada, sem que suas principais funções vitais fossem alteradas, por que não funcionaria com pessoas? Eu conheço uma gata linda que trabalha lá na sala de controle do laser que tá doida pra sair comigo. Só preciso convencê-la a me deixar lá por uma noite e tudo estará feito. É só apontar o laser para a direção da terra, programar a captação de humanos que estejam infectados pelo vírus N5J38, fazer a compactação deles e a teletransferência para o meu asteroide, que já estará em órbita, estrategicamente localizado no Sistema Solar. Não tem erro. A operação vai ser tão rápida que será imperceptível aos olhos dos terráqueos. Vão sentir falta de alguns, mas jamais descobrirão o que lhes aconteceu.
            ─ Cara, você é mais doido que eu pensava. Como sei que não vou conseguir tirar essa ideia maluca da sua cabeça, vá em frente. Só me deixa fora dessa que não quero ser cúmplice dessa loucura.
           ─ Tudo bem. A única coisa que preciso que você faça é que retarde a divulgação desses relatórios até que tudo esteja resolvido. Depois que o novo “planeta” estiver em órbita, aí você decide se conta pra eles. Talvez eu seja até promovido por isso.
            Sem perder tempo, o irreverente piloto aciona seu VDI (vídeo-contato instatâneo) e usa sua lábia para convencer a colega responsável pela sala de controle do laser a deixá-lo entrar. ─ Uma pena você estar de plantão hoje, gata. Tava muito a fim de te levar para um CR (Cine Real). Tem um filme sobre a ancestralidade dos dinossauros que tenho certeza você adoraria assistir e interagir, é claro.
            ─ Uma pena mesmo, piloto. Estou aqui nesta sala, só olhando para esses controles, totalmente entediada.
               ─ Estive pensando, e se eu desse uma passadinha aí para aliviar esse seu tédio?
            ─ Ah, não sei não. Se deixasse você entrar aqui estaria quebrando uma norma muito rígida e importante que é não deixar ninguém sequer olhar para todos esses equipamentos. É uma missão de muita responsabilidade, você sabe.
            ─ Viver também é saber a hora certa de quebrar normas, garota. Além disso, já trabalhei nessa ala e conheço muito bem toda essa parafernália. Esqueceu? O único risco que você vai correr me colocando para dentro é o de se apaixonar...rsrs.
            Apesar de inusitado e um tanto inconsequente, o plano do jovem cientista dá certo. Uma vez dentro da sala, ele a convence que gostaria de ver novamente aquele laser em ação e consegue disparar o canhão, voltado para Terra sem que ela perceba. É dessa forma que ele concretiza seu plano de diminuir o tamanho das pessoas infectadas na Terra e transportá-las para um miniplaneta idêntico, mas também com dimensões reduzidas.
            A partir de então, na Terra, de um dia para outro, a vida das pessoas se transforma de maneira substancial, permitindo que retomem seus afazeres diários, visando a preservação da vida, da saúde física e mental das pessoas e do planeta em sua totalidade.
            No comando espacial, os dois jovens são os únicos a saberem da operação realizada e estão aliviados pelo seu sucesso.
            ─ E não é que você conseguiu? Já vou cadastrar o seu novo planeta para ser observado pelo comando. Estou curioso para ver como as pessoas transportadas estão se saindo por lá. Como devem estar se sentindo habitando um planeta como o antigo, mas com uma população 70% menor? Aliás, como vai se chamar esse novo planeta?
            ─ Bom, depois de estudar com cuidado o comportamento dos infectados em toda a Terra, vi que a maior característica deles é uma tendência ao extremismo de direita que vinha provocando muitos conflitos entre toda a população mundial. Um clima perigoso de ódio e intolerância havia se espalhado e poderia levá-los ao caos em pouco tempo. Eles faziam uso de armamento pesado e de outros tipos de armas menos convencionais, como as FakeNews, por exemplo. Além disso, devastavam florestas, poluíam o ar, rios e mares e promoviam uma verdadeira caça às minorias, de pobres, negros e LGBTQI+. Desprezavam a Educação, a Saúde, a Tecnologia e a Cultura, tentando a todo custo retroceder em leis e avanços dessas áreas, obtidos ao longo da história. História essa que negavam e procuravam substituir por versões imaginárias, fruto do delírio que a enfermidade produzia neles. Enfim, baseado em meu estudo de personagens com maior relevância nesse cenário, escolhi chamá-lo de Planeta Bolsotrump.

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Mea Maxima Culpa

 

D

o alto do cais Rosália contempla o mar com um misto de tristeza e desconforto. Faz parte de sua rotina começar o dia dessa forma. Espera um dia despertar desse pesadelo terrível e voltar a visualizar águas puras e cristalinas, como em sua infância havia presenciado. As ondas batem insistentemente contra as estacas da estrutura, mas junto delas, uma infinidade de objetos faz o mesmo movimento. Garrafas plásticas, sacolas, pneus e outros sólidos, na maioria das vezes irreconhecíveis, parecem querer invadir todo seu espaço, procurando avançar cada vez mais ferozmente sobre o ambiente onde está o homem, parecendo conhecer sua responsabilidade por estarem ali à deriva.

                  Em 2040, ela com seus 56 anos, ainda não se conforma com o aumento da poluição nos mares e rios, com aquele volume exagerado de materiais descartados irregularmente que vêm sabe-se lá de onde, sabe-se lá de que tempo. É certo que eles tomaram conta das águas, habitando em maior número do que peixes e seres vivos aquelas que haviam sido no princípio o berço da humanidade. Atualmente estavam mais para túmulo de dejetos.

                 Apesar de sua insatisfação, como sempre, ela pede perdão a Deus por terem os homens colaborado e permitido que a situação chegasse a esse ponto. No fundo também se sente culpada por no passado não ter adotado hábitos sustentáveis em seu dia a dia. Enquanto algumas poucas pessoas iam ao supermercado com suas sacolas retornáveis, ela fazia uso das sacolas plásticas, trazia sempre para casa uma infinidade delas. Comprava com frequência alimentos processados e embalados em plástico e isopor. Não separava o lixo orgânico do reciclável e nem se preocupava com o descarte irregular de pilhas e resíduos eletrônicos.

             Achava um exagero todas aquelas medidas, ditadas por pessoas denominadas “ecochatos”. Malucos que viviam espalhando terror de que o homem estava destruindo o mundo. Que bobagem, pensava quando jovem. O mundo era tão grande! Como ela, sozinha, com seus hábitos, poderia destruí-lo?

           A resposta era tão simples. Como não tinha conseguido enxergar? A questão é que não eram apenas os seus hábitos e sim o de grande parte dos humanos no mundo todo. Bilhões e bilhões de pessoas, todas cegas e insensíveis ao perigo iminente.

             Agora, com toda aquela poluição no mar, nos rios e no ar, com a devastação de metade de toda a floresta Amazônica e de muitas outras pelo mundo afora e com todas as consequências que esse descaso havia provocado para a humanidade, com toda a escassez de água e alimento a que o homem estava submetido, só havia um caminho. Esse caminho era o de enfrentar a sua sina e buscar meios de sobreviver e sobrevivendo, procurar reverter todo aquele cenário maldito.

Conto inspirado na distopia #EsseFuturoNão! Rosália não é persongem do livro, mas poderia ser. Se gostar, curte, compartilhe. Gostando ou não, comente.

#distopias #literatura #contos