Autora: Fátima
Gilioli
Sinopse:
Após
detectar uma grave contaminação por vírus na Terra, dois jovens que trabalham
no comando espacial da Ala Norte, região V do Alto Comando Militar
Intergalático, atuam para neutralizar o problema, diante da ameaça de
destruição do planeta que eles têm por função monitorar.
Planeta Novo
Em algum lugar do espaço, em uma
galáxia muito distante, uma nave pousa suavemente em sua plataforma, retornando
de uma longa viagem. O piloto, jovem e arrojado, desce assobiando, feliz por
mais uma de suas grandes aventuras concluídas, aparentemente com sucesso. A
forma com que é recepcionado, porém, não é nada agradável.
─ Por onde você andou, cara? Tentei
monitorar essa sua jornada irresponsável até quanto pude, mas em determinado
momento, perdi conexão. O comandante não ficará nada feliz se souber da sua
insubordinação. Em nome de nossa antiga amizade te fiz o favor de, até agora,
manter sua “saidinha” em segredo. Só não sei por quanto tempo.
─ Oras, mas por quê? Eu estava em
férias, esqueceu? Tive de dar uma voltinha por aí. Não aguentava mais ficar
neste planeta, nessa quarentena que não termina nunca!
O comando espacial da Ala Norte,
região V do Alto Comando Militar Intergalático, é uma organização governamental
do Universo que monitora à distância a vida em determinados planetas,
considerados super-habitados e com sérios riscos de desaparecer e assim
provocar um desequilíbrio populacional universal.
─ Ah sim, estava em férias e acha
mesmo que isso lhe dá o direito de sair por aí, sem autorização, correndo
vários riscos, inclusive o de espalhar até não se sabe onde esse vírus com o
qual temos estado a batalhar por tanto tempo, sem, no entanto conseguir dizimar
por completo?
─ Calma aí, cara. Não sou tão
irresponsável assim. Eu fiz o procedimento completo de descontaminação antes de
sair. Relaxa! Sabemos que o vírus N5J38 é resistente, mas pode ser
neutralizado. Basta que saibamos onde está alojado. Já conseguimos até reduzir
a sua capacidade de multiplicação. Faltam poucos a serem dizimados por aqui. É
tudo uma questão de tempo. Essa quarentena já devia ter sido afrouxada há muito
tempo. Não podemos ficar eternamente presos. Há muito que explorar lá fora.
─ Isso não é você quem decide. Você
tem de cumprir ordens. Se a determinação é ficar em quarentena, precisa ser
cumprida. Além disso, o mecanismo de desinfecção tem uma margem de erro. A essa
altura você pode ter levado o N5J38 para os lugares onde passou. Aonde foi? Ah!
Nem sei por que ainda perco tempo falando com você. Vou puxar o diário de bordo
de sua nave. Deixe-me ver...Não acredito que você foi até a Terra! Justo lá? Nosso
principal alvo de análise? Um planeta já com tantas dificuldades? Crianças,
povos inteiros passando fome, reservas de água potável acabando, poluição no
ar, na terra e no mar, guerras entre vários países, disputas de poder com armas
atômicas espalhadas em vários pontos, violência, tantas e tantas ameaças e você
os expõe a mais esse risco, porque estava em férias e sentia-se entediado?
─ Ah, amigo, é o seguinte, estou
cansado da viagem. Meu corpo pede ao menos doze horas de sono, ok? Vou me
trancar na cápsula de dormir. Não me interrompa. Tenho certeza que se você
acionar a central de monitoramento da Terra vão relatar que está tudo normal e
caótico como sempre. Boa noite!
Algum tempo depois o jovem volta a
falar com o amigo e as notícias que recebe não são nada animadoras.
─ Você tá encrencado! A central de
monitoramento da Terra detectou uma grave infecção por N5J38. Por causa dele milhões
de pessoas estão morrendo diariamente e outras sofrendo com as consequências
desse mal. Em todo o planeta o número acumulado de mortes já passa de um bilhão.
Se não fizermos nada o planeta vai ser dizimado por completo em pouco tempo.
─ Calma. Tem que ter um jeito. Não
conseguimos eliminá-lo quase que por completo por aqui? Então! Tomaremos as
mesmas providências lá e tá tudo certo.
─ Você fala como se tivesse sido
fácil. Você sabe quão drástica foi a solução encontrada, não sabe? Tivemos de
isolar para sempre todos os contaminados.
─ Claro que eu sei. Eu participei
diretamente do projeto DESCONTAMINA. Por isso estou te dizendo que consigo. Tá
certo que nosso planeta tinha um número bem menor de infectados, mas eu já tô
tendo uma ideia aqui que vai ser genial! Talvez até ganhe o Nobel
Intergaláctico por isso.
─ Que ideia maravilhosa é essa que
vai permitir confinar para sempre uma população de mais de um bilhão de
pessoas? Onde você vai encontrar um asteroide que comporte todo esse povo?
─ Já pensei em tudo. Eu sou um
gênio! Tá lembrado daquele meu projeto da escola em que eu criei um asteroide
com o mesmo formato da terra, em escala 1:12.000.000 ?
O amigo dá uma risada como quem
tivesse ouvido uma grande piada. Logo depois parece adivinhar os pensamentos do
colega e fica visivelmente apavorado.
─ Não, cara, você não tá pensando
em...em...isso é loucura! Não vai dar certo! Você não pode usar o laser
COMPACTJET em uma parte dos humanos! Isso ainda não foi testado. Está certo que
funcionou com animais, mas nunca foi testado em humanos.
─ Claro que funciona em humanos. Se
funcionou com animais, fazendo com que reduzissem de tamanho na proporção
desejada, sem que suas principais funções vitais fossem alteradas, por que não
funcionaria com pessoas? Eu conheço uma gata linda que trabalha lá na sala de
controle do laser que tá doida pra sair comigo. Só preciso convencê-la a me
deixar lá por uma noite e tudo estará feito. É só apontar o laser para a
direção da terra, programar a captação de humanos que estejam infectados pelo
vírus N5J38, fazer a compactação deles e a teletransferência para o meu
asteroide, que já estará em órbita, estrategicamente localizado no Sistema Solar.
Não tem erro. A operação vai ser tão rápida que será imperceptível aos olhos
dos terráqueos. Vão sentir falta de alguns, mas jamais descobrirão o que lhes
aconteceu.
─ Cara, você é mais doido que eu
pensava. Como sei que não vou conseguir tirar essa ideia maluca da sua cabeça,
vá em frente. Só me deixa fora dessa que não quero ser cúmplice dessa loucura.
─ Tudo bem. A única coisa que
preciso que você faça é que retarde a divulgação desses relatórios até que tudo
esteja resolvido. Depois que o novo “planeta” estiver em órbita, aí você decide
se conta pra eles. Talvez eu seja até promovido por isso.
Sem perder tempo, o irreverente
piloto aciona seu VDI (vídeo-contato instatâneo) e usa sua lábia para convencer
a colega responsável pela sala de controle do laser a deixá-lo entrar. ─ Uma
pena você estar de plantão hoje, gata. Tava muito a fim de te levar para um CR
(Cine Real). Tem um filme sobre a ancestralidade dos dinossauros que tenho
certeza você adoraria assistir e interagir, é claro.
─ Uma pena mesmo, piloto. Estou aqui
nesta sala, só olhando para esses controles, totalmente entediada.
─ Estive pensando, e se eu desse uma
passadinha aí para aliviar esse seu tédio?
─ Ah, não sei não. Se deixasse você
entrar aqui estaria quebrando uma norma muito rígida e importante que é não
deixar ninguém sequer olhar para todos esses equipamentos. É uma missão de
muita responsabilidade, você sabe.
─ Viver também é saber a hora certa de
quebrar normas, garota. Além disso, já trabalhei nessa ala e conheço muito bem
toda essa parafernália. Esqueceu? O único risco que você vai correr me
colocando para dentro é o de se apaixonar...rsrs.
Apesar de inusitado e um tanto
inconsequente, o plano do jovem cientista dá certo. Uma vez dentro da sala, ele
a convence que gostaria de ver novamente aquele laser em ação e consegue
disparar o canhão, voltado para Terra sem que ela perceba. É dessa forma que
ele concretiza seu plano de diminuir o tamanho das pessoas infectadas na Terra
e transportá-las para um miniplaneta idêntico, mas também com dimensões
reduzidas.
A partir de então, na Terra, de um
dia para outro, a vida das pessoas se transforma de maneira substancial,
permitindo que retomem seus afazeres diários, visando a preservação da vida, da
saúde física e mental das pessoas e do planeta em sua totalidade.
No comando espacial, os dois jovens
são os únicos a saberem da operação realizada e estão aliviados pelo seu
sucesso.
─ E não é que você conseguiu? Já vou
cadastrar o seu novo planeta para ser observado pelo comando. Estou curioso
para ver como as pessoas transportadas estão se saindo por lá. Como devem estar
se sentindo habitando um planeta como o antigo, mas com uma população 70%
menor? Aliás, como vai se chamar esse novo planeta?
─ Bom, depois de estudar com cuidado
o comportamento dos infectados em toda a Terra, vi que a maior característica
deles é uma tendência ao extremismo de direita que vinha provocando muitos
conflitos entre toda a população mundial. Um clima perigoso de ódio e
intolerância havia se espalhado e poderia levá-los ao caos em pouco tempo. Eles
faziam uso de armamento pesado e de outros tipos de armas menos convencionais,
como as FakeNews, por exemplo. Além disso, devastavam florestas, poluíam o ar,
rios e mares e promoviam uma verdadeira caça às minorias, de pobres, negros e
LGBTQI+. Desprezavam a Educação, a Saúde, a Tecnologia e a Cultura, tentando a
todo custo retroceder em leis e avanços dessas áreas, obtidos ao longo da
história. História essa que negavam e procuravam substituir por versões
imaginárias, fruto do delírio que a enfermidade produzia neles. Enfim, baseado
em meu estudo de personagens com maior relevância nesse cenário, escolhi
chamá-lo de Planeta Bolsotrump.
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