quinta-feira, 27 de maio de 2021

País sem salvação?

           “Vocês não têm salvação. É muita cachaça e nada de oração”. A frase, dita em tom de brincadeira pelo Papa Francisco a um padre brasileiro que lhe pediu oração, repercutiu nas redes, recebendo muitas críticas e também certo volume de apoio.

            Antes de ser papa, Francisco é um ser humano, passível de erros. Sua origem argentina também o credencia para zoar do povo brasileiro, prática comum a ambos os lados de países que rivalizam em vários aspectos, sendo o futebol um dos principais. Era pra ser uma frase engraçada, uma piada, de mau gosto talvez, mas uma piada. A questão é que quando sai da boca do chefe supremo da Igreja Católica, diante das atentas lentes do mundo todo, ganha uma proporção de grandeza exponencial. Afinal, Jesus Cristo, pedra fundamental da religião, sempre pregou que a salvação está ao alcance de todos, desde que se arrependam verdadeiramente de seus pecados. Inúmeros trechos do Evangelho confirmam esse ensinamento, com partes que evidenciam o encontro do filho de Deus com cobradores de impostos e prostitutas, estes considerados os maiores pecadores da época. Há instantes de sua morte, crucificado, Jesus ainda teria dito a um dos ladrões que estavam ao seu lado que entraria com ele no Paraíso.

            A partir de uma breve passada de olhos por comentários surgidos depois da divulgação desse fato nas redes sociais, pode-se constatar um pouco de tudo. Há os que não desperdiçaram a oportunidade para traduzir as palavras do pontífice como uma alusão aos supostos hábitos etílicos de um ex-presidente em contrapartida às palavras bíblicas repetidas constantemente pelo atual líder do país. Foi um prato cheio para os cegos da atualidade, que enxergam de forma multiplamente distorcida, na figura dos dois, a dualidade entre o Bem e o Mal. Tanto de um lado como de outro se lê insanidades. Houve também quem simplesmente concordasse com o Santo Padre, levando muito a sério sua constatação.

            Otimista de carteirinha, acredito que assim como a maioria das pessoas no mundo, seja sob qual for o ângulo de análise, os brasileiros vivem um processo de aprendizado. Estamos aprendendo a duras penas, o custo de apostar nossas fichas, no caso nosso voto mesmo, em figuras milagreiras. Mitos salvadores da pátria, que segundo o papa nem tem salvação. Mas como eu já disse, minha opinião é a de que tem sim. Ela virá com o tempo, na medida em que o povo comece a entender que não se trata apenas de colocar alguém no poder e deixá-lo lá com um cheque em branco, ou pra usar algo mais atual, com um cartão de crédito coorporativo ilimitado.

            Além de usar critérios adequados para a escolha de seus representantes, bem diferentes daqueles que se usa para escolher um time para torcer, que se faça uso das ferramentas de controle existentes de acordo com as leis que regem nosso país. Que exijamos nossos direitos, que deixemos claros nossos anseios e nossas necessidades e que os cobremos constantemente para que haja rígida prestação de contas.

            Façamos uma caipirinha com nossa cachaça para que possamos brindar com ela um futuro de sucesso para nosso amado país, quem sabe até para nossos “hermanos” e para o mundo todo.

#crônicas #papafrancisco #Brasil #política            

sábado, 15 de maio de 2021

"Cortes, acréscimos... a importância da edição"



    Muitas vezes é difícil para um autor cortar ou modificar trechos de sua obra, seja ela em prosa ou poesia. Sabemos que essa providência quase sempre é necessária, mas raramente encontram-se editores capacitados ou propensos a fazer esse papel, como o que no filme “O mestre dos Gênios”, o personagem da década de 20, Max Perkins, executa brilhantemente. Infelizmente, na maioria das vezes, sugestões são dadas apenas com interesses mercadológicos e não exatamente para melhorar a criação. Desta forma, o próprio autor precisa aprender a editar sua escrita. Precisa saber cortar, saber corrigir, saber ordenar, saber acrescentar e além de tudo saber quando parar.

    Algumas modalidades artísticas tratam a edição com mais naturalidade. O cinema parte da gravação de um extenso número de cenas para chegar a um produto final de exibição de alguns minutos, ou de no máximo uma a duas horas. Na pintura, há vários artistas que recriam telas ou ocultam imagens que não os agradaram através de técnicas de sobreposição. Sabe-se, por exemplo, que sob a Mona Lisa, há outro quadro, certamente não aprovado por Leonardo da Vinci. Vincent van Gogh também deixou em suas cartas ao irmão afirmações de que havia repintado determinadas telas, cujo resultado desejado não havia sido alcançado logo de início. Na música, um caso de edição pode ser visto com John Lennon, que compôs primeiramente a canção “Child Of Nature” e depois, com a mesma melodia, gravou “Jealous Guy”, de letra completamente diferente da primeira. Quem conhece Bob Dylan sabe que ele altera suas letras a cada show, quase que impedindo os fãs de acompanhá-lo em suas canções.

    O poeta romântico Walt Whitman lançou em 1855 um livro chamado “Folhas da Relva” com doze poemas. Reeditou esse livro nove vezes até que em 1892, a nona edição tinha mais de 400 poemas, que provavelmente foram sendo acrescidos em função de seus conceitos similares. Também é possível notar pequenas alterações em versos das primeiras peças. Existem histórias que dizem que Drummond chegava a reescrever o mesmo poema umas setenta vezes.

    Podemos pensar que enquanto o autor está vivo, sua obra está aberta e que, portanto, está sujeita a modificações. Mesmo depois que ele se vai, dependendo de seus familiares ou de quem detenha os direitos de seu espolio, ainda poderão acontecer edições em obras já publicadas ou inéditas, como acontecem nas coletâneas póstumas, por exemplo.

    Além do próprio conteúdo da prosa ou verso, como já dito, faz parte também do processo de edição a seleção dos poemas que irão compor uma publicação, a ordem de disposição desses poemas no livro, no caso de prosa a ordem dos capítulos, a capa, as ilustrações, a diagramação, a encadernação etc. Atualmente há autores que gostam de se dedicar ao trabalho por completo, participando de todas essas etapas. Outros, porém, a partir de sua obra considerada pronta, delegam a execução dessas outras etapas a profissionais da edição.

    Já quando se trata de livro reportagem é trabalho do jornalista editar todo o conteúdo de suas entrevistas e suas pesquisas a respeito do tema escolhido, para decidir o que irá compor seu trabalho, de que forma e em que sequência, com o cuidado de manter as falas do entrevistado, de evitar repetições e de completar a história que quer contar. Além disso, quando o profissional se aventura no jornalismo literário, nas crônicas e mesmo na ficção, normalmente se deparará com o dilema de seguir ou não seu superego, de ser ou não ser criativo, de se permitir ultrapassar os limites das regras da escrita jornalística formal.

    Finalizo com a primorosa definição de César Magalhães Borges, que se diz orgulhoso de ser um escritor amador, por fazer aquilo que ama e por amar tudo o que faz.

Obs.: Reflexões resultadas do nosso XI Encontro de Escritores e Leitores, evento virtual realizado em 15/05/2021, pelo Google Meet.

#literatura #arte #autor #escrita #poesia #música #cinema