Uma mistura de satisfação e tristeza. Foi o que senti ontem ao passear no final da tarde pelo centro de São Paulo. O programa era especialíssimo – um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, OSESP, na maravilhosa Sala São Paulo. Eu simplesmente não consigo mencionar esse local sem utilizar o adjetivo “maravilhosa” (para a sala). Muito bom o jornal Folha de S.Paulo ter oferecido essa oportunidade a seus assinantes.
O horário de início da
apresentação era 20h30. Tínhamos de estar lá a partir das 19h para pegar os
ingressos. Saímos muito cedo de Guarulhos para evitar o trânsito do final do
dia. Estava indo passear e não queria me contaminar com o estresse dos que
voltam todo dia do trabalho disputando espaço por ruas e avenidas com milhares
de carros, caminhões, ônibus, motos.
O resultado de nossa antecipação foi
ter mais de três horas livres para explorar aquele espaço tão rico de história
e de vida. Histórias e vidas nem sempre felizes, é verdade. Nosso primeiro
destino foi o Memorial da Resistência, logo ao lado, na Pinacoteca. Um
excelente programa para quem quer conhecer uma das partes mais tristes e nebulosas
da história de nosso país. Recomendo para quem nega a história também, atitude
um pouco em moda ultimamente. Alguém já disse que contra fatos não há
argumentos. Ali você fica exposto a fatos, fotos, cartas, depoimentos em vídeo,
corredores sombrios e celas do antigo Deops. Locais por onde muitas pessoas
entraram e de onde muitas nunca saíram vivas.
Para aliviar um pouco a tensão, percorremos também a exposição de Artur Lescher, nos miramos em seu espelho líquido e admiramos suas engenhocas metálicas. Depois, um passeio para observar acervos indígenas, que continuam ainda mais com sua cultura ameaçada.
Nossa brincadeira por ali acaba às
18h, horário de fechamento do museu. Nós tínhamos tempo, mas, entendemos que os
funcionários precisavam ir para casa. Fizemos, então, uma caminhada até a Estação
da Luz. Para chegar àquela outra maravilha de cenário fomos esbarrando em
pessoas travestidas de zumbis, com seus cobertores nas costas e seus cachimbos
na mão. Escravos do crack. Sensações de dor, impotência e medo foram se
alternando em mim. Houve também um desconforto em caminhar por aquelas calçadas
molhadas de urina, que exalavam um desagradável odor. Fazíamos turismo em meio
aquilo tudo.
Sim, a Estação da Luz continua lá,
imponente e bela. Impossível não parar em cima da ponte e ficar observando as
pessoas embarcando nos trens. O local onde funcionava o saudoso Museu da Língua
Portuguesa ainda está coberto por tapumes. Creio que as obras de restauro
continuam. Sinto-me feliz por já tê-lo visitado e nostálgica por não poder
revê-lo.
Chega a hora de voltar para a
Sala São Paulo, onde já poderíamos nos sentar, tomar um café, descansar os pés,
até que se iniciasse a apresentação. Na caminhada de volta, mais zumbis, em número
cada vez maior, até que chegamos à concentração deles, habitantes vindos da
cracolândia, que segundo um político famoso, supostamente não existiria mais.
Mas ela existe, está ali, bem na Praça Júlio Prestes, ao lado do foco de nossa
visita. Curiosos, nos aproximamos e somos recepcionados por alguém que nos
pergunta: “O que vocês querem hoje?”. “Não queremos nada, obrigada”, respondo.
Mentira, eu queria sim. Queria que a cracolândia não estivesse ali e em lugar
nenhum do planeta.
Passadas as catracas, fomos ao
café e enquanto eu degustava o meu, olhava para aquela parede lateral e não
conseguia deixar de pensar que do outro lado, há poucos metros, estavam cachimbos
portando pessoas.
Na última e mais prazerosa parte
de nossa aventura, entramos olhando para tudo, para cima, para o lado, para
aquela gigantesca casa de espetáculos, para as inúmeras luzes douradas que pediam
fotos. Entram a maioria dos músicos. Aplausos. O primeiro violino e depois os
demais. Finalmente o maestro. Começa uma deliciosa apresentação com a ópera II
Guarany, de meu primo longínquo Carlos Gomes (minha mãe me contava que o
ilustre compositor passeava pelas Campinas de mãos dadas com seu primo, uma
criança, meu bisavô).
Após uma hora de apresentação o
maestro informa que o “Bis” é a suíte de Edu Lobo, que já constava do programa.
Talvez porque, infelizmente, eu não seja tão assídua a espetáculos de música
clássica, eu não tenha entendido essa colocação. De qualquer forma, saímos
satisfeitos com tudo o que vivemos naquela noite. Quero dizer, quase tudo.
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