sábado, 17 de agosto de 2019

A forma da arte


Missão impossível essa de elencar em poucas palavras o resultado de um encontro de autores e de amantes da literatura, com duração de pouco mais de duas horas, diante de um tema tão complexo como o que havia sido proposto no Segundo Encontro de Autores de Guarulhos. O evento, realizado ontem à noite, dia 16 de agosto, no Espaço Novo Mundo, da Livraria Nobel , tinha por objetivo discutir a “Liberdade de Expressão e Crítica Social na literatura. Qual a responsabilidade do autor? “ Contou com a mediação de César Magalhães Borges e com a participação de autores como José Alaercio Zamuner, Rogério Brito, Guilhermina Helfstein dentre muitos outros.

Praticamente um consenso entre os participantes é o de que vivemos em tempos de constante ameaça à liberdade de expressão, bem como do retorno a algo semelhante à censura que o país vivenciou no século passado. Tirando o fato de que vivemos uma democracia que ainda necessita ser ampliada, reforçada, revigorada, em que, por exemplo, os acessos aos meios de expressão de grande alcance são concedidos a grandes grupos empresariais, o mais preocupante seria o fato da própria sociedade se autocensurar. “Nós nos tornamos uma sociedade intolerante, com dificuldades de aceitar as expressões de ideias com as quais não concordamos”, afirma César Borges. Mais impressionante ainda seria o fato dessa censura ter se intensificado através da Internet, que teoricamente deveria ampliar a possibilidade de acesso à liberdade de expressão.

Foram lembrados grandes artistas, possuidores de uma vida dedicada à arte, criadores de grandes obras, que passaram a ser execrados por parte da sociedade diante de seu posicionamento político. Atualmente, o cantor e compositor Chico Buarque seria um dos que personificaria esse fato. Outro exemplo lembrado dentro da classe artística foi o da atriz Marília Pera, dona de uma trajetória de inegável sucesso e grandioso talento, condenada por muitos ao se posicionar a favor de Fernando Collor de Mello, ex-presidente que sofreu impeachment na década de 90.

John Lennon teria tido um momento em sua vida, quando foi morar em Nova York, em que queria se reinventar como artista e também como ser humano. Passou a compor canções, como “Angela”, por exemplo, que reivindicava liberdade para Angela Yvonne Davis, militante pelos direitos das mulheres e contra a discriminação racial. Mais tarde, já mais distante das composições ativistas, Lennon teria refletido sobre aquele momento e dito que ele "parecia mais um jornalista que um poeta".

Haveria então uma maneira correta de um autor criar a sua obra sem inserir nela uma crítica qualquer, uma opinião, um anseio? Se a obra “sai” de dentro do autor, se é baseada em suas experiências, seus sentimentos mais internos, suas visões de vida, suas preocupações e desejos, não haveria como torná-la 100% objetiva, ou então sua criação não seria arte. Trata-se então muito mais da “forma” e da “dosagem”. Sendo um poeta, que faça poesia, sendo um compositor que componha uma música, um escritor que escreva um conto, não apenas um discurso. Entretanto, haveria sim uma maneira de, usando da criatividade, da inovação, fazer da sua arte, seja ela um poema, um livro, uma canção, algo que toque as pessoas, que transmita a mensagem que vem de dentro do autor, aquilo que ele julga importante, que suscite à reflexão.

De acordo com Rogério Brito, “há uma responsabilidade do autor de não ser isento o tempo todo. Ele tem também a função de abrir os olhos da sociedade”.  Lembrou Patativa do Assaré que mesmo sendo um matuto, falava da seca, defendia os menos favorecidos. “Ele era acusado de ser comunista, mas, não tinha lido Karl Marx, apenas depois é que foi ler”.

Na opinião de Wagner Pires o escritor pode escolher se vai e como deve se posicionar. “Temos uma tradição literária que de uma maneira geral sempre se posicionou”, ele lembra.

José Alaércio Zamuner reforça que a literatura tem que tomar vida própria. “A literatura tem que ser a máxima da expressão e a máxima da novidade”. Brinca que o poeta é um “grande mentiroso” e que a criação literária é ilimitada.

A questão seria não demonizar qualquer pensamento, seja ele à direita ou à esquerda, respeitando-se o direito de expressão, tomando-se o cuidado de não caluniar, injuriar, causar danos morais. Guilhermina Helfstein menciona o escritor Mark Twain que disse algo como “em nosso país temos três coisas preciosas: a liberdade de expressão, a prudência e a liberdade de não praticá-las".

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sábado, 10 de agosto de 2019

Pai&Filhos&Álcool


A proximidade do dia dos pais nos induz a refletir sobre a relação pai e filho, sobre as influências que um exerce sobre o outro, sobre as responsabilidades, os prazeres, as dificuldades, as barreiras que podem se colocar no meio dessa relação.

Entendo que só a parte boa seja objeto das postagens nas redes sociais, nas peças de propaganda, nas conversas e reuniões em família. Faz parte de nossa tendência, na maioria das vezes positiva, de reforçar coisas boas, momentos felizes e conquistas em nossas vidas.

Por esse motivo, mais uma vez, peço desculpas por trazer à pauta assuntos não tão agradáveis de ler, ao estarmos próximos de tão importante data comemorativa. Mas afinal, essa é a proposta do meu livro Código 303. Considero de suma importância uma reflexão profunda sobre a relação Pai&Filhos&Álcool.

Outro dia fui a um churrasco de amigos de um amigo. Fui muito bem recebida naquele grupo e passei momentos agradáveis, é verdade. Porém, uma situação que presenciei me preocupou grandemente. O homem que estava pilotando a churrasqueira o fazia durante todo o tempo e de maneira muito competente. Servia a todos, o tempo todo, carnes mal e bem passadas, linguiça, frango, tudo que é comum em um churrasco. Ele também tinha sempre nas mãos uma lata de cerveja e vigiava as mesas para não deixar ninguém de copo vazio. Era um excelente anfitrião.

Só essa atitude não seria tão reprovável, mesmo que ele tenha embebedado meu amigo, que não sabia dizer não, mas, afinal de contas estávamos em uma festa. Não é o que se costuma fazer em ocasiões como essa? Além disso, ninguém era obrigado a beber tanto. Bastava dizer “não, obrigado”. Será? Deixando essa questão de lado, o fato é que a reunião era em comemoração ao aniversário de sua filha adolescente que fazia 13 anos. Ainda, ignorando tudo isso, a principal razão de minha indignação foi o diálogo e a ação que veio após começarmos a comentar meu livro sobre alcoolismo.

“Eu posso ser personagem do seu livro”, dizia ele em tom de brincadeira. Eu apenas sorria, embora não achasse aquilo nada engraçado. Para reforçar sua tese ele indagava o filho, de 10 anos: “Desde quando o pai está bebendo?”. O garoto respondia para atendê-lo. “Desde hoje cedo, pai”. “E o que foi que o pai bebeu?”, continuava em tom de orgulho. “Vodka e cerveja”, contava o filho. O homem orgulhava-se de ter bebido tanto, por horas seguidas e aparentemente continuar de pé e conseguindo manter-se relativamente sóbrio (ao menos na sua visão).

Indagar o filho daquela forma, fazendo-o cúmplice de sua embriaguez não bastou. Para minha surpresa e indignação em dado momento ele ofereceu cerveja ao filho, que bebericou no copo do pai. Foi quando achei por bem intervir. “Não faça isso, por favor,”. Não se dá bebida a uma criança, adverti. “Ele já provou, mas, não gosta”, defendeu ele.  “É por isso que eu dou pra que ele prove e não goste. Assim não vai beber na rua”. Tentei argumentar mais uma vez, mas, foi inútil. Visivelmente entristecida, resolvida a colocar aquelas crianças em minhas orações e mais tarde pensar no que mais poderia fazer, deixei para ele um exemplar de meu livro, com a esperança de que o lesse e se convencesse a abandonar aquele comportamento.

Para completar essa história selecionei alguns trechos de depoimentos do Código 303 que têm relação com o assunto. Eles dispensarão explicações:

“Durante minha infância e juventude, sempre me entristeceu não poder trazer meus amigos em casa. Tinha vergonha que presenciassem meu pai bêbado”.

“Meu pai sempre foi muito violento. Nós éramos quatro meninas. Um dia, estávamos todas no quarto, apavoradas porque ele havia bebido muito. Ele entrou com um revólver na mão e disse que se não parássemos de chorar ele nos mataria”. Ana, filha de um alcoolista.

“Experimentei o álcool pela primeira vez aos seis anos de idade. Como era costume das famílias que moravam na roça,..., todos se sentavam à mesa na hora do jantar. Meu pai tomava uns golinhos de cachaça antes das refeições e não deixava de oferecer aos filhos”. Júlio, um alcoolista em recuperação.

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quarta-feira, 7 de agosto de 2019

História do Cordel em exposição na Biblioteca Mário de Andrade

O Cordel foi assunto em uma roda de conversa ontem, 06/08/2019, na Biblioteca Mário de Andrade. Estive lá e presenciei tudo durante a abertura da exposição “Cordel – A História dos Folhetos Nordestinos no Acervo da Mário”. Mediada por Rita Palmeira, a roda teve a participação do curador Rizio Bruno Sant’Ana e do poeta e compositor Moreira de Acopiara. Estava prevista também a participação da cordelista Jarid Arraes, que infelizmente não pôde comparecer.


De acordo com Rizio, foram adquiridos seis mil folhetos de cordel do ex-embaixador Rubem Amaral Jr. que se somaram aos 330 que já pertenciam à biblioteca. A partir deles foram selecionados os 150 que estão expostos no 3.o andar do prédio para visitação até 30 de agosto. 


Quem vier à exposição poderá ver capas de publicações portuguesas, espanholas e brasileiras e apreciar uma variedade de temas como cangaço,  questões sociais, como seca e miséria, amor, religiosidade, política ou ainda temas variados como a ida do homem à Lua, por exemplo. Segundo o curador, os folhetos poderão ser requisitados na biblioteca para leitura.




A conversa com o cordelista Moreira de Acopiara foi pra lá de interessante. Nascido Manoel Moreira Junior acabou, por influência de amigos, adotando o nome da cidade onde viveu até os 20 anos como sobrenome artístico.
Aos 13 anos escreveu seu primeiro cordel. Ao mostrá-lo a Patativa do Assaré ouviu dele que seus versos eram ruins, fora da métrica, mas, que estavam acima da média para um garoto.
O poeta credita seu amor pelo cordel ao fato da mãe professora e o pai agricultor terem acostumado seus ouvidos ao ritmo do cordel. “Na fazenda não havia televisão, rádio e o jornal só chegava uma vez por semana”, ele conta. Lá se fazia uma espécie de sarau e os cordéis eram decorados até por quem não sabia ler.
Para citar exemplos de cordéis famosos lembra que quando Getúlio Vargas morreu seu cordel foi um fenômeno de vendas, e que quando o homem pousou na Lua havia muitos boatos de descrença, mas, que a partir do momento que as pessoas liam a história em cordel, passavam a acreditar.
Defende o objeto de sua arte com garra e carinho. Explica que por ter uma linguagem simples, facilita a memorização e pode auxiliar na educação.
É com carinho também que fala de suas oficinas de cordel em um centro de detenção em Diadema.
Perguntado sobre sua impressão a respeito da internet ele afirma que “só veio para ajudar, até na pesquisa e divulgação”. Conta que teve a oportunidade de introduzir o cordel na rede a partir de uma peleja ainda pelo Orkut competindo em versos com Glauco Mattoso.
Expresso aqui o meu agradecimento ao poeta Moreira de Acopiara que gentilmente me presenteou com dois de seus cordéis, creio que mais recentes. “Norte e Nordeste Independentes” é em minha opinião um hino maravilhoso à igualdade e “Diferenças” traduz a diversidade e faz uma crítica à sociedade – só pra rimar.

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