quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O direito humano de entrar no céu


Recém-chegado às portas do céu, o homem é orientado a se dirigir à fila de triagem. À sua frente há apenas uma pessoa. Para tentar entender como funciona, ele puxa conversa:

__Ei, amigo, sabe se demora o atendimento aí?

__Ah não, senhor, não demora nada. Já percebi que aqui tudo funciona muito bem. As pessoas são tratadas com muito respeito, independentemente de como tenham se comportado lá na terra. Assim que nos chamam, nós entramos lá e o encarregado vai consultar a nossa ficha. Se estiver tudo certo, entramos direto. Se voltarmos pra cá é porque não fomos aprovados de primeira. Então, teremos que nos dirigir àquela outra porta ali, bem à direita. Aquela é a sala de provas.

__Ah, tá. À da direita, né? Ainda bem. Se fosse à esquerda, aí ia complicar. Detesto a esquerda!

__O senhor tem um porte de soldado. Foi militar?

__Ah, eu, sim, fui capitão. Tive uma carreira brilhante lá no exército. Todo mundo me adorava. Sai porque recebi um chamado pra carreira política. Sabe como é salário melhor, mais oportunidades, né? Além disso, passei a ter muito mais liberdade pra expor as minhas ideias, coisa e tal. Deu certo, viu? Sete anos depois eu cheguei à presidência da república!

__É mesmo? Eu era da marinha dos Estados Unidos. O senhor era presidente de que país?

__Do Brasil, “porra”! Não tá me reconhecendo? Eu era amigão do Trump.

__Ao ouvir isso, o outro fica um pouco assustado, mas pergunta:

__Do que foi mesmo que o senhor morreu?

__Cê acredita que foi de outra facada? Pô, da primeira vez tinha sido tudo tranquilo, tudo certo. O meu camarada Adélio tinha me esfaqueado, mas com todo o cuidado, sabe? Sem machucar muito. Devo a minha vitória nas eleições a ele. Cara bom, viu?! Mas aí, as coisas foram se complicando, fui caindo nas pesquisas, o pessoal da esquerda me acusando de um monte de coisas, a imprensa falando mal de mim o tempo todo, sabe como é? Aí meus assessores contrataram outro cara pra dar outra facadinha. Mas era pra ser bem de leve, né? Tudo esquematizado, tá okey? Só que eu acho que colocaram um “paraíba” no lugar, “porra”! Só pode ser! O cara veio com uma peixeira e fez esse estrago aqui, ó. A situação ficou pior ainda porque eu só tava fazendo o número “2” dias sim, dia não, né?, Como medida pra agradar aqueles ambientalistas “filhos da puta”. Daí infeccionou tudo, né? Agora to eu aqui, nessa fila. Espero que não demore muito pra me receberem no céu, “caralho”!

Nesse momento, o painel chama a senha do marinheiro norte-americano.

Pouco depois, ele já vê a chamada de sua senha no painel, sinal de que o cara já havia sido recebido de primeira. Isso já o deixa mais tranquilo. De certo seria assim com ele também.

__Por favor, sente-se, diz o anjo, enquanto analisa atentamente um relatório na tela do computador. Lentamente ele vai passando as telas, fazendo algumas anotações, sem dizer nada, até que ao final:

__ Infelizmente o senhor não vai poder ser admitido no céu por causa de seu comportamento na terra. Mas não se preocupe. Aqui todos têm uma nova chance. O senhor terá de fazer uma prova. São algumas perguntas que o senhor terá de responder com toda a sinceridade. Basta que acerte 70% das perguntas para ser aprovado e passar para a próxima fase.

__Como posso não ter sido recebido no céu de primeira, pô? No meu governo eu coloquei o “cara daí” acima de tudo, “porra”!

Orientado a sair e entrar na porta das provas, ele se dirige para lá, um pouco contrariado.

Um novo anjo pede a ele que se sente.

__Vamos às perguntas. Vejo que o senhor parece um pouco confuso, mas creio que através delas o senhor poderá entender o motivo pelo qual não foi admitido de primeira.

__A primeira pergunta é muito fácil. Tenho certeza que o senhor irá acertar. O que são “Direitos Humanos”?

__Ah, essa tá fácil mesmo! São aqueles caras que ficam lá defendo bandido, claro.

__Infelizmente o senhor errou. Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.

__”Puta que o pariu”, mas lá no Brasil era assim, “porra”! Eles só defendiam bandido. E bandido tem é que morrer, né?

__Vamos à segunda pergunta: O senhor acha que Jesus aprovou a invenção da arma de fogo pelo homem?

__É óbvio que sim! Se ele estivesse armado, poderia ter reagido quando os caras estavam levando ele pra cruz. Ele não teria sido crucificado, pô! Ainda mais, sairia bem na fita e poderia até ter se candidato a um cargo público.

__O senhor errou de novo. Jesus nunca foi a favor da violência. Além disso, quando estava para ser preso, ordenou a um dos homens que estava com uma espada, a guardá-la na bainha. Em vez disso, ele aceitou que se cumprissem as escrituras.

Sem permitir que ele se manifestasse novamente, o anjo faz a terceira pergunta.

__No seu governo, o senhor permitiu e estimulou a polícia a sair atirando como política de segurança. O que o senhor tem a dizer a respeito dos inocentes que morreram durante essas investidas, jovens, trabalhadores, crianças?

__Um inocente ou outro morre mesmo, tudo bem. Tudo quanto é guerra morre inocente.

Nisso o anjo faz um sinal para dois caras mal encarados que estavam na porta e diz com ar entristecido:

__Vocês podem levá-lo.

O homem segue à frente dos dois e começa a reclamar.

__Está meio quente aqui, não?

Ao avistar um imenso clarão, ele grita:

__Os caras das ONGs botaram fogo na mata até aqui? “Caralho”! Mourão! Vem me tirar daqui, “pombas”!

#EsseFuturoNão! #políticadearmamento #políticadesegurança #queimadasnaamazonia #direitoshumanos #mortedeinocentes

domingo, 17 de novembro de 2019

Que dor é essa?

“Que povo é esse, que ao som do atabaque e da batida do tambor, canta e dança seu lamento e sua dor?” Logo de início esse mantra que abriu a missa de hoje pela manhã na comunidade católica que frequento já me emocionou.  Ele foi declamado por uma jovem no momento em que a procissão de entrada invocava o dia da consciência negra, oficialmente comemorado no próximo dia 20. De tão envolvida com a cena, acabei omitindo do vídeo a primeira parte, embora o que esteja postando aqui também esteja carregado de extrema beleza.

Ao ouvir o mantra e contemplar aquelas pessoas exteriormente ornamentadas com motivos afros e internamente carregando o legado da raça negra, com um misto de orgulho e sofrimento passados de geração em geração, não pude deixar de pensar no livro que acabei de ler. ”Kindred, laços de sangue”, de Octavia E. Butler (*). Enredo que nos dilacera a alma, não é apenas simples ficção, imaginada, inventada, é retrato da história acontecida no mundo todo em variadas épocas. É ferida que ainda dói nos dias de hoje.

A emoção persiste no decorrer da cerimônia, quando o iluminado padre Paulinho divide seu espaço na homolia e dá voz ao pastor Donizete, da igreja Vineyard , que brilhantemente dá sua contribuição à celebração, num claro gesto de oposição aos tempos de intolerância em que vivemos. É assim que ele nos lembra de uma passagem da Bíblia, em Atos dos Apóstolos, onde fica evidente que mãos de figuras negras enviaram o apóstolo Paulo para sua vida de pregador da palavra de Deus. Também nos lembra de que nosso país foi quase que todo construído com mãos negras, que foi baseado em costumes e rituais negros. Ancestralidade que não temos como refutar.

Aqueles que não concordam com o dia da Consciência Negra talvez não saibam quais são essas dores que esse povo carrega. A dor da escravidão, da submissão, da humilhação, da mutilação, da tortura física e psicológica, da segregação. Atualmente a dor da discriminação, da falta de oportunidades escancarada nas pesquisas, nos índices de mortes por bala perdida, ou por bala encontrada, da predominância da cor branca nas mais altas esferas do poder, nas faculdades, nas empresas, nas profissões de destaque e em contrapartida da gritante e extravagante preponderância do negro nas favelas, nas prisões, nos assassinatos, nas abordagens policiais.

Sim, é preciso ter consciência, é preciso ter vergonha desse cenário, é preciso que todos carreguem essa mesma dor e que cantem e toquem o mesmo tambor.


(*) Livro de ficção em que uma jovem negra do século XX passa a fazer viagens no tempo ao século XIX e a reviver a escravidão e os dilemas raciais de ontem e de hoje.


#consciêncianegra #missa #homilia #discriminaçãoracial #preconceito



quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Mulheres em conexão com passado, presente e futuro


Mulheres em conexão com o passado, presente e futuro, esse foi o tema do segundo encontro do Clube do Livro do Sesc Guarulhos.

De acordo com Pétala Souza e Isabela Souza, as mediadoras do evento, a menção de passado, presente e futuro é uma das características da maioria das obras das autoras negras. Isso aconteceria porque esses tempos estão interligados e os acontecimentos de um influenciam diretamente nos outros, apesar de nem sempre nos darmos conta disso. Para se construir um futuro se faz necessário acompanhar o presente e conhecer o passado.

As duas obras escolhidas para análise exemplificam bem essa característica. Dana, a protagonista de Kindred Laços de Sangue, de Octavia E. Butler, se vê transportada para o passado e estabelece contato com a escravidão, cuja história conhecia dos livros, mas que passa a vivenciar durante sua experiência de viagem no tempo. 

Em seu vigésimo sexto aniversário, Dana e seu marido estão de mudança para um novo apartamento. Em meio a pilhas de livros e caixas abertas, ela começa a se sentir tonta e cai de joelhos, nauseada. Então, o mundo se despedaça. Dana repentinamente se encontra à beira de uma floresta, próxima a um rio. Uma criança está se afogando e ela corre para salvá-la. Mas, assim que arrasta o menino para fora da água, vê-se diante do cano de uma antiga espingarda. Em um piscar de olhos, ela está de volta a seu novo apartamento, completamente encharcada. É a experiência mais aterrorizante de sua vida... até acontecer de novo. E de novo. Quanto mais tempo passa no século XIX, numa Maryland pré-Guerra Civil – um lugar perigoso para uma mulher negra –, mais consciente Dana fica de que sua vida pode acabar antes mesmo de ter começado.

Uma resenha de Los Angeles Herald-Examiner afirma: “Impossível terminar de ler Kindred sem se sentir mudado. É uma obra de arte dilaceradora, com muito a dizer sobre o amor, o ódio, a escravidão e os dilemas raciais, ontem e hoje”.

Na obra "Ponciá Vicêncio", a segunda escolhida para análise, a autora Conceição Evaristo traça uma conexão entre a escravidão passada e as dificuldades enfrentadas pelos negros na atualidade.

A história descreve os caminhos, as andanças, as marcas, os sonhos e os desencantos da protagonista, Ponciá Vicêncio. A trajetória da personagem da infância à idade adulta, permite uma análise de seus afetos e desafetos e seu envolvimento com a família e os amigos. Com disso, discute-se a questão da identidade de Ponciá, centrada na herança identitária do avô e estabelece um diálogo entre o passado e o presente, entre a lembrança e a vivência, entre o real e o imaginado.

No mundo individualista em que vivemos, vem a calhar a compreensão da vida como um tempo misturado do antes-agora-depois-e-do-depois-ainda, de um povo e das heranças que carrega e irá passar à diante sempre.

#livros #literatura #clubedolivro #autorasnegras

sábado, 19 de outubro de 2019

Escrita – a influência nossa de cada dia


Com a ideia de que influência não é cópia e que não há escritor sem leitura, começa a conversa no nosso III Encontro de Escritores e Leitores, acontecido ontem no espaço do Kas Tattoo, em Guarulhos.

Como o tema desta vez era “Criação, Estilo e influência do autor”, o mediador, o poeta César Magalhães Borges, começa lembrando que não podemos negar que somos influenciados pelo meio em que vivemos, pela língua que falamos, pelos padrões culturais a que estamos submetidos. “Ninguém faria uma poesia, um conto, um romance, se não aprendesse dentro desse caldeirão da cultura”, afirma.

O poeta lembra que é o nosso contato com as outras artes, com a obra do outro, que nos faz começar a escrever. “Sequer falaríamos se não estivéssemos em um grupo que fala”.  Além disso, mesmo aquele cantador ou poeta que por algum motivo não aprendeu a ler e escrever criou sua arte de ouvir outros cantadores.

César Borges ainda comenta uma frase tão infeliz quanto absurda que ouviu de um pretenso escritor - “Claro que eu conheço Drummond. Mas não leio para não me influenciar”, esse autor teria dito em determinada ocasião.

Para o mediador, o ato de se influenciar pela leitura pode ser comparado àquelas bonequinhas russas, as “Matrioskas”, porque quanto mais se lê um autor, mais se vai tirando camadas de dentro dele e assim enriquecendo seus escritos.

Muitos sãos os exemplos de autores cuja influência pode ser notada em suas obras.

A escritora Rosinha Morais cita a polêmica existente a respeito da dúvida se Machado de Assis leu ou não o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Guilhermina Helfstein e Alaercio Zamuner também comentam sobre as influências de Machado de Assis, que teriam se iniciado a partir do empenho de sua esposa a apresentar-lhe os livros. “Pega os primeiros romances dele, a maneira de escrever, tem muito da escola francesa. Quando ele vai para Memórias Póstumas de Brás Cubas, aí é Spencer (*), é Shakespeare (**)”, diz Alaercio. Seria a habilidade de transformar coisas corriqueiras em textos psicologicamente profundos.

César Borges cita ainda o poeta inglês do século XVII – John Donne: “Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. ... A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

De mesma inspiração, lista o romance “Por Quem os Sinos Dobram”, do escritor norte-americano Ernest Hemingway e o álbum de Raul Seixas com o mesmo título, “Por quem os sinos dobram”. Acrescenta também o poema “Os Sinos”, de Manuel Bandeira, que explora o ritmo da cidade do interior marcado pelos sons dos sinos, relatando nascimento, morte e ressurreição. A partir desses, Alaercio Zamuner revela ter sido influenciando e criado uma crônica mencionando os sinos, na ocasião da morte de um tio.

Quando os autores e leitores presentes são incentivados pelo mediador a citar suas influências, a autora Eliza Muratori afirma que achava não ter sido marcada por ninguém, que escrevia apenas sobre suas verdades, mas que pensando bem, após aquela explanação, ela encontra em seus escritos uma forma “Sidnei Sheldon” de criar – começando pelo fim e aguçando a curiosidade do leitor.

Guilhermina Helfstein também hesita em detectar seu gosto por Gregório de Matos e Padre Vieira como seus formadores, porém, César Borges atesta que vê claramente sinais desses autores na obra da escritora.

Carlos Alberto Cardoso Pereira afirma gostar de ficção, mas aquela que tem um sentido, como as criações de Júlio Verne, por exemplo.

A escritora Salete afirma ter se contagiado pela crônica poética, pelo aglomerado de palavras de Mario de Andrade.

Já a autora Talita Salvador conta que em sua faculdade de publicidade havia aprendido o conhecido lema “nada se cria, tudo se copia”.  Afirma ser impossível alguém inventar algo que não tenha influência de nada. Conta ser leitora do britânico J. R. R. Tolkien, especialmente da trilogia “O Senhor dos Anéis” e de Dan Brown (Código Da Vinci).

Wagner Pires revela-se leitor de Shakespeare, de Camões, Cervantes e diz também que sofre influência pelo ambiente cultural do Rock.

Alaercio revela suas bases a partir de seus comentários e diz que a própria escolha do tema para esse encontro, feita por ele, teve origem na obra sobre Guimarães Rosa, na qual vê semelhanças com “A divina Comédia” (Dante Alighieri).

A autora desse texto e blog, obviamente presente e ligada na discussão, revela ter se inspirado a escrever a partir da leitura de “Cem Anos de Solidão”, cujo autor também foi alvo de seus estudos durante o curso de jornalismo, com “Relato de um Náufrago” e “Notícias de um Sequestro”, todos eles de Gabriel García Márquez. Rubem Alves também é um autor que a cativou e que a fez gostar de escrever sobre coisas simples da vida, como o tempo, o envelhecimento etc. ”Também me sinto influenciada pela televisão, pelos telejornais e pelas novelas”.

Acrescentando mais um conceito e tentando fechar a sessão de discussão, César Borges relata concordar com o pensamento da antropofagia de Oswald de Andrade e confessa “comer” elementos de todas as artes, do cinema, da pintura, do romance, da crítica, da filosofia. “Isso vai me trazer algo quando for escrever”, conclui.

Então, continuemos a criar a partir de nossa “alimentação”!


(*)Herbert Spencer foi um filósofo inglês e um dos representantes do positivismo.
(**) William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo.



Lançamentos:


“O pardal espião”, Eliza Muratori – Dia 12 de Novembro, das 18h às 20h, Rua Alvares Machado, 22 – 1.o andar, São Paulo.

 “Vida a granel. Histórias de supermercados”, César Magalhães Borges – Dia 19 de Novembro, na Galeria Metrópole Av. São Luís, 187 - Centro Loja 29, 2º andar São Paulo e Dia 07 de Dezembro, no Espaço Novo Mundo, avenida Salgado Filho, 1453, em Guarulhos/SP.

Alaercio Zamuner  estará lançando em breve seu livro de crônicas, Monte-Sionenses: Chão e Estrelas.

#escritores #encontrodeautores #influêncianaescrita #livros #literatura #lançamentosdelivros #leitores




quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Voz: arma e escudo



Hoje, no primeiro dia oficial do Clube do Livro organizado pelo Sesc Guarulhos, o tema foi “A literatura como caminho para o encontro com vozes de mulheres negras”.
Os exemplos de vozes negras escolhidas vieram dos livros “O ódio que você semeia”, da escritora norte-americana Angie Thomas e Querem nos Calar, uma antologia compilada por Mel Duarte.

O ódio que você semeia é uma história juvenil que trata de um tema que não tem idade: o racismo dos tempos de hoje. A jovem Starr desde cedo foi treinada pelos pais sobre como uma pessoa negra deve se comportar na frente de um policial: não fazer movimentos bruscos, deixar sempre as mãos à mostra, só falar quando lhe perguntarem algo. Quando ela e seu amigo Khalil são parados por uma viatura, tudo o que Starr espera é que Khalil também conheça essas regras. Um movimento errado, uma suposição e tiros disparados. De repente o amigo de infância da garota está no chão, coberto de sangue e sem vida. Indignada com a injustiça tão explícita que presenciou e vivendo em duas realidades tão distintas (durante o dia, estuda numa escola cara, com colegas brancos e muito ricos - no fim da aula, volta para seu bairro, periférico e negro, um gueto dominado por gangues e oprimido pela polícia), Starr precisa descobrir a sua voz. Precisa decidir o que fazer com o triste poder que recebeu ao ser a única testemunha de um crime que pode ter um desfecho tão injusto como seu início. Acima de tudo ela precisa fazer a coisa certa.

A antologia “Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta” reúne poesias de 15 mulheres do slam de todas as regiões do Brasil. Os slams são batalhas de poesia falada com temática livre que comumente abordam temas como racismo, machismo e desigualdade social. 

O machismo e o preconceito racial sempre impediram que a mulher negra ocupasse lugares de destaque em diversas áreas da sociedade. Na literatura não é diferente. A predominância de escritores homens e brancos comprova essa realidade. Usar a voz como arma e como escudo é o objetivo dessas mulheres. Que possamos lê-las e nos inspirar a partir do que dizem essas suas vozes.

#literatura #racismo #mulheresnegras

Quem quer ser santo?


Um conhecido programa de TV pergunta “Quem quer ser um milionário?”. O assunto já virou até filme. É claro que a resposta “sim” predomina. Por ocasião da proximidade da proclamação de Irmã Dulce como santa (37ª Santa brasileira), neste domingo (13), me ocorreu de forma analógica perguntar: Quem quer ser santo?

Aposto que grande parte responderá que não. Existe grande preconceito em relação a ser santo. Lembro-me de uma vez ter chamado a atenção de um garoto por causa de uma travessura. Disse que deveria se comportar, essas coisas que se fala às crianças nesses momentos, no que ele prontamente me respondeu: “Tia, você não vai querer que eu seja santo, né?”.

As pessoas, mesmo as que seguem uma religião, não costumam pensar na santidade como algo a ser almejado. Por alguma razão atribuem esse fenômeno a seres predestinados, que já teriam nascido santos. Outros se referem à santidade como sinônimo de “ser bobo”, “ser ingênuo”.

Acontece que alguns santos não foram tão perfeitos no início de sua vida, sendo às vezes até vilões, mas em confronto com alguma situação, acabaram se convertendo e passando a seguir de maneira exemplar os ensinamentos de Deus. Já Irmã Dulce, que está para ser proclamada santa, teve uma vida toda voltada para os trabalhos assistenciais em comunidades carentes de Salvador, Bahia.

Não é nada fácil ser santo. Mas as pessoas deveriam ao menos cogitar essa possibilidade em suas vidas. Já imaginou que maravilha se tornaria esse mundo, se todos lutassem pela santidade? Nem todos conseguiriam, pois o caminho para a santidade é árduo e doloroso. Há que se abrir mão de inúmeros “desejos” da vida comum e se doar ao outro o tempo todo. Mesmo que não seja assim, de forma tão efetiva, pequenos atos de bondade, de generosidade podem nos levar pelo caminho.

Eu quero ser santa. Sei que estou longe disso. Mas coloquei em minha vida essa meta, a de sempre procurar o bom caminho, a melhor decisão, a melhor palavra, o melhor ato. O exercício é: antes de tomar uma decisão, antes de agir, é preciso pensar nas consequências do que vai fazer. Quem será beneficiado? Quem será atingido? Se a resposta for sempre “eu” para a primeira pergunta e “o outro” para a segunda, algo não está certo.

Quem quiser saber um pouco mais sobre meus conceitos sobre santidade, dei uma palestra há alguns meses, relacionando-a ao alcoolismo, outro tema recorrente em meus escritos. Eis o link: 

https://youtu.be/OKK-edhAfbQ


#santidade #santos #irmadulce #caminhosparaasantidade #alcoolismoesantidade

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

SESC Guarulhos lança Clube de Leitura


Guarulhos é uma cidade repleta de autores e de amantes de literatura. Só que pouca gente sabe disso. Essa é uma constatação que eu já havia tido em outras oportunidades e acabei comprovando hoje, quando participei do primeiro encontro de um Clube de Leitura que está sendo criado pelo Sesc Guarulhos. A novidade foi idealizada por Pedro Alberto Ribeiro que é técnico em literatura do Sesc e estruturado pelas irmãs Pétala e Isabella Souza, participantes ativas e incentivadoras desses clubes através do blog Parênteses.

De acordo com as blogueiras, são diversos tipos de clubes de leitura espalhados pelo Brasil, que também são chamados de diversas formas: clube do livro, clube de leitura, clube de leitores, reunião leitores etc.

Alguns funcionam em locais específicos, outros são virtuais através de redes sociais.

A forma de funcionamento de cada um deles também é variada. Há os que escolhem livros para serem lidos e comentados. Outros estabelecem um tema e cada componente lê e comenta um livro daquele tema. O mesmo pode ocorrer com gêneros específicos (ficção, poesia, terror, por exemplo) ou com autores de classes representativas da sociedade, como autores negros, mulheres autoras etc.

Além de estimular a leitura, colocando pessoas em contato com variados gêneros, outro objetivo importante seria o de transformar um ato que inicialmente é solitário em algo que proporcione a troca de experiências, de impressões que um determinado texto provoca no leitor.

A reunião de leitores para dividir suas opiniões e pensamentos que surgiram a partir da leitura de uma obra pode enriquecer os participantes, porque cada um absorve o conteúdo de uma forma e é impactado por ele de um jeito próprio.

Se você se interessa por literatura, se é amante de leitura ou se quer passar a ser um leitor ativo, anote aí as datas dos próximos encontros que acontecerão no mês de outubro, na Biblioteca do Sesc Guarulhos, que fica na Rua Guilherme Lino dos Santos, 1.200, Jardim Flor do Campo, Guarulhos/SP, sempre no horário das 19h às 21h. Os temas serão: Dia 10/10/2019 - "O Ódio Que Você Semeia" (ANGIE THOMAS, 2017) e "Querem Nos Calar" (Org. MEL DUARTE, 2019): A literatura como caminho para o encontro com as vozes de mulheres negras. Dia 24/10/2019 "Kindred" (OCTAVIA BUTLER, 1979) e "Ponciá Vicêncio" (CONCEIÇÃO EVARISTO, 2003): Mulheres em conexão com o passado, presente e futuro.

Apareçam!

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domingo, 22 de setembro de 2019

Beber demais é engraçado?




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#redeglobo

sábado, 17 de agosto de 2019

A forma da arte


Missão impossível essa de elencar em poucas palavras o resultado de um encontro de autores e de amantes da literatura, com duração de pouco mais de duas horas, diante de um tema tão complexo como o que havia sido proposto no Segundo Encontro de Autores de Guarulhos. O evento, realizado ontem à noite, dia 16 de agosto, no Espaço Novo Mundo, da Livraria Nobel , tinha por objetivo discutir a “Liberdade de Expressão e Crítica Social na literatura. Qual a responsabilidade do autor? “ Contou com a mediação de César Magalhães Borges e com a participação de autores como José Alaercio Zamuner, Rogério Brito, Guilhermina Helfstein dentre muitos outros.

Praticamente um consenso entre os participantes é o de que vivemos em tempos de constante ameaça à liberdade de expressão, bem como do retorno a algo semelhante à censura que o país vivenciou no século passado. Tirando o fato de que vivemos uma democracia que ainda necessita ser ampliada, reforçada, revigorada, em que, por exemplo, os acessos aos meios de expressão de grande alcance são concedidos a grandes grupos empresariais, o mais preocupante seria o fato da própria sociedade se autocensurar. “Nós nos tornamos uma sociedade intolerante, com dificuldades de aceitar as expressões de ideias com as quais não concordamos”, afirma César Borges. Mais impressionante ainda seria o fato dessa censura ter se intensificado através da Internet, que teoricamente deveria ampliar a possibilidade de acesso à liberdade de expressão.

Foram lembrados grandes artistas, possuidores de uma vida dedicada à arte, criadores de grandes obras, que passaram a ser execrados por parte da sociedade diante de seu posicionamento político. Atualmente, o cantor e compositor Chico Buarque seria um dos que personificaria esse fato. Outro exemplo lembrado dentro da classe artística foi o da atriz Marília Pera, dona de uma trajetória de inegável sucesso e grandioso talento, condenada por muitos ao se posicionar a favor de Fernando Collor de Mello, ex-presidente que sofreu impeachment na década de 90.

John Lennon teria tido um momento em sua vida, quando foi morar em Nova York, em que queria se reinventar como artista e também como ser humano. Passou a compor canções, como “Angela”, por exemplo, que reivindicava liberdade para Angela Yvonne Davis, militante pelos direitos das mulheres e contra a discriminação racial. Mais tarde, já mais distante das composições ativistas, Lennon teria refletido sobre aquele momento e dito que ele "parecia mais um jornalista que um poeta".

Haveria então uma maneira correta de um autor criar a sua obra sem inserir nela uma crítica qualquer, uma opinião, um anseio? Se a obra “sai” de dentro do autor, se é baseada em suas experiências, seus sentimentos mais internos, suas visões de vida, suas preocupações e desejos, não haveria como torná-la 100% objetiva, ou então sua criação não seria arte. Trata-se então muito mais da “forma” e da “dosagem”. Sendo um poeta, que faça poesia, sendo um compositor que componha uma música, um escritor que escreva um conto, não apenas um discurso. Entretanto, haveria sim uma maneira de, usando da criatividade, da inovação, fazer da sua arte, seja ela um poema, um livro, uma canção, algo que toque as pessoas, que transmita a mensagem que vem de dentro do autor, aquilo que ele julga importante, que suscite à reflexão.

De acordo com Rogério Brito, “há uma responsabilidade do autor de não ser isento o tempo todo. Ele tem também a função de abrir os olhos da sociedade”.  Lembrou Patativa do Assaré que mesmo sendo um matuto, falava da seca, defendia os menos favorecidos. “Ele era acusado de ser comunista, mas, não tinha lido Karl Marx, apenas depois é que foi ler”.

Na opinião de Wagner Pires o escritor pode escolher se vai e como deve se posicionar. “Temos uma tradição literária que de uma maneira geral sempre se posicionou”, ele lembra.

José Alaércio Zamuner reforça que a literatura tem que tomar vida própria. “A literatura tem que ser a máxima da expressão e a máxima da novidade”. Brinca que o poeta é um “grande mentiroso” e que a criação literária é ilimitada.

A questão seria não demonizar qualquer pensamento, seja ele à direita ou à esquerda, respeitando-se o direito de expressão, tomando-se o cuidado de não caluniar, injuriar, causar danos morais. Guilhermina Helfstein menciona o escritor Mark Twain que disse algo como “em nosso país temos três coisas preciosas: a liberdade de expressão, a prudência e a liberdade de não praticá-las".

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#arte
#poesia
#críticasocial

sábado, 10 de agosto de 2019

Pai&Filhos&Álcool


A proximidade do dia dos pais nos induz a refletir sobre a relação pai e filho, sobre as influências que um exerce sobre o outro, sobre as responsabilidades, os prazeres, as dificuldades, as barreiras que podem se colocar no meio dessa relação.

Entendo que só a parte boa seja objeto das postagens nas redes sociais, nas peças de propaganda, nas conversas e reuniões em família. Faz parte de nossa tendência, na maioria das vezes positiva, de reforçar coisas boas, momentos felizes e conquistas em nossas vidas.

Por esse motivo, mais uma vez, peço desculpas por trazer à pauta assuntos não tão agradáveis de ler, ao estarmos próximos de tão importante data comemorativa. Mas afinal, essa é a proposta do meu livro Código 303. Considero de suma importância uma reflexão profunda sobre a relação Pai&Filhos&Álcool.

Outro dia fui a um churrasco de amigos de um amigo. Fui muito bem recebida naquele grupo e passei momentos agradáveis, é verdade. Porém, uma situação que presenciei me preocupou grandemente. O homem que estava pilotando a churrasqueira o fazia durante todo o tempo e de maneira muito competente. Servia a todos, o tempo todo, carnes mal e bem passadas, linguiça, frango, tudo que é comum em um churrasco. Ele também tinha sempre nas mãos uma lata de cerveja e vigiava as mesas para não deixar ninguém de copo vazio. Era um excelente anfitrião.

Só essa atitude não seria tão reprovável, mesmo que ele tenha embebedado meu amigo, que não sabia dizer não, mas, afinal de contas estávamos em uma festa. Não é o que se costuma fazer em ocasiões como essa? Além disso, ninguém era obrigado a beber tanto. Bastava dizer “não, obrigado”. Será? Deixando essa questão de lado, o fato é que a reunião era em comemoração ao aniversário de sua filha adolescente que fazia 13 anos. Ainda, ignorando tudo isso, a principal razão de minha indignação foi o diálogo e a ação que veio após começarmos a comentar meu livro sobre alcoolismo.

“Eu posso ser personagem do seu livro”, dizia ele em tom de brincadeira. Eu apenas sorria, embora não achasse aquilo nada engraçado. Para reforçar sua tese ele indagava o filho, de 10 anos: “Desde quando o pai está bebendo?”. O garoto respondia para atendê-lo. “Desde hoje cedo, pai”. “E o que foi que o pai bebeu?”, continuava em tom de orgulho. “Vodka e cerveja”, contava o filho. O homem orgulhava-se de ter bebido tanto, por horas seguidas e aparentemente continuar de pé e conseguindo manter-se relativamente sóbrio (ao menos na sua visão).

Indagar o filho daquela forma, fazendo-o cúmplice de sua embriaguez não bastou. Para minha surpresa e indignação em dado momento ele ofereceu cerveja ao filho, que bebericou no copo do pai. Foi quando achei por bem intervir. “Não faça isso, por favor,”. Não se dá bebida a uma criança, adverti. “Ele já provou, mas, não gosta”, defendeu ele.  “É por isso que eu dou pra que ele prove e não goste. Assim não vai beber na rua”. Tentei argumentar mais uma vez, mas, foi inútil. Visivelmente entristecida, resolvida a colocar aquelas crianças em minhas orações e mais tarde pensar no que mais poderia fazer, deixei para ele um exemplar de meu livro, com a esperança de que o lesse e se convencesse a abandonar aquele comportamento.

Para completar essa história selecionei alguns trechos de depoimentos do Código 303 que têm relação com o assunto. Eles dispensarão explicações:

“Durante minha infância e juventude, sempre me entristeceu não poder trazer meus amigos em casa. Tinha vergonha que presenciassem meu pai bêbado”.

“Meu pai sempre foi muito violento. Nós éramos quatro meninas. Um dia, estávamos todas no quarto, apavoradas porque ele havia bebido muito. Ele entrou com um revólver na mão e disse que se não parássemos de chorar ele nos mataria”. Ana, filha de um alcoolista.

“Experimentei o álcool pela primeira vez aos seis anos de idade. Como era costume das famílias que moravam na roça,..., todos se sentavam à mesa na hora do jantar. Meu pai tomava uns golinhos de cachaça antes das refeições e não deixava de oferecer aos filhos”. Júlio, um alcoolista em recuperação.

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quarta-feira, 7 de agosto de 2019

História do Cordel em exposição na Biblioteca Mário de Andrade

O Cordel foi assunto em uma roda de conversa ontem, 06/08/2019, na Biblioteca Mário de Andrade. Estive lá e presenciei tudo durante a abertura da exposição “Cordel – A História dos Folhetos Nordestinos no Acervo da Mário”. Mediada por Rita Palmeira, a roda teve a participação do curador Rizio Bruno Sant’Ana e do poeta e compositor Moreira de Acopiara. Estava prevista também a participação da cordelista Jarid Arraes, que infelizmente não pôde comparecer.


De acordo com Rizio, foram adquiridos seis mil folhetos de cordel do ex-embaixador Rubem Amaral Jr. que se somaram aos 330 que já pertenciam à biblioteca. A partir deles foram selecionados os 150 que estão expostos no 3.o andar do prédio para visitação até 30 de agosto. 


Quem vier à exposição poderá ver capas de publicações portuguesas, espanholas e brasileiras e apreciar uma variedade de temas como cangaço,  questões sociais, como seca e miséria, amor, religiosidade, política ou ainda temas variados como a ida do homem à Lua, por exemplo. Segundo o curador, os folhetos poderão ser requisitados na biblioteca para leitura.




A conversa com o cordelista Moreira de Acopiara foi pra lá de interessante. Nascido Manoel Moreira Junior acabou, por influência de amigos, adotando o nome da cidade onde viveu até os 20 anos como sobrenome artístico.
Aos 13 anos escreveu seu primeiro cordel. Ao mostrá-lo a Patativa do Assaré ouviu dele que seus versos eram ruins, fora da métrica, mas, que estavam acima da média para um garoto.
O poeta credita seu amor pelo cordel ao fato da mãe professora e o pai agricultor terem acostumado seus ouvidos ao ritmo do cordel. “Na fazenda não havia televisão, rádio e o jornal só chegava uma vez por semana”, ele conta. Lá se fazia uma espécie de sarau e os cordéis eram decorados até por quem não sabia ler.
Para citar exemplos de cordéis famosos lembra que quando Getúlio Vargas morreu seu cordel foi um fenômeno de vendas, e que quando o homem pousou na Lua havia muitos boatos de descrença, mas, que a partir do momento que as pessoas liam a história em cordel, passavam a acreditar.
Defende o objeto de sua arte com garra e carinho. Explica que por ter uma linguagem simples, facilita a memorização e pode auxiliar na educação.
É com carinho também que fala de suas oficinas de cordel em um centro de detenção em Diadema.
Perguntado sobre sua impressão a respeito da internet ele afirma que “só veio para ajudar, até na pesquisa e divulgação”. Conta que teve a oportunidade de introduzir o cordel na rede a partir de uma peleja ainda pelo Orkut competindo em versos com Glauco Mattoso.
Expresso aqui o meu agradecimento ao poeta Moreira de Acopiara que gentilmente me presenteou com dois de seus cordéis, creio que mais recentes. “Norte e Nordeste Independentes” é em minha opinião um hino maravilhoso à igualdade e “Diferenças” traduz a diversidade e faz uma crítica à sociedade – só pra rimar.

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terça-feira, 30 de julho de 2019

Prêmio “Excelência em investimento pessoal”


Eu fui indicada para receber a Comenda Excelência e Qualidade Brasil 2019. Pelo menos foi o que me informaram por e-mail em abril deste ano e novamente agora em julho. Minha primeira reação foi a de curiosidade, afinal, segundo explicava a mensagem, alguém tinha indicado meu nome para receber o título de comendadora pela categoria “Profissional do Ano/Destaque Nacional/Mérito Social Profissional & Cidadã que acrescenta à Nação/Exemplo digno de ser seguido por todas as pessoas de boa fé, honestas e de caráter, voltada em prol de uma sociedade mais igualitária, justa e perfeita”.

Ainda, segundo o comunicado, a categoria citada é apenas uma das 50 privilegiadas com o prêmio, abrangendo desde Personalidades Políticas, Culturais e Artísticas, Entidades públicas e privadas, Empresas e Profissionais. Seria eu “merecedora” de tal honraria? Um momento de reflexão e a conclusão foi a de que, sim, eu me considero uma profissional exemplar e empenhada em ações para um mundo melhor. Uma insuflada no ego e começo a levar em consideração tal prêmio.

Envio um e-mail pedindo mais informações a respeito. Queria saber da parte de quem tinha vindo essa indicação (detalhe importante, no meu entendimento). As informações chegam inconclusivas. Em 10% dos casos as indicações são feitas por pessoas que autorizam a sua identificação e em 90% dos casos não é dada essa permissão. Em ambos, as indicações acontecem através de site, e-mail ou por telefone.

O aceite da comenda renderia à homenageada uma “grande e luxuosa placa de diplomação”, um troféu “Excelência e Qualidade Brasil 2019”, uma medalha de “Honra ao Mérito” e um “selo de qualidade” com direito de uso para cartões de visita, timbre de documentos e adesivo para veículos. Além disso, o nome da homenageada sairia publicado no Diário Oficial da União, como portador do título de comendador.

A confirmação do aceite se daria a partir da escolha de uma das modalidades de entrega: presencial em jantar no elegantíssimo Clube Sírio Libanês de São Paulo ou recebimento via correio.

Agora a parte mais interessante de tudo: concordar com a primeira modalidade significaria, além de todas as honrarias já citadas, o “direito” de poder contribuir com a cota de cerimonial do evento no valor de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), parcelados em 5 vezes sem juros ou R$2.630,00 (dois mil e seiscentos e trinta reais) que poderiam ser parcelados no cartão em até 12 vezes. É claro que na impossibilidade de participação em tão garboso evento, havia a segunda modalidade composta de algumas subopções, dependendo da comanda escolhida, variando em valores como R$730,00 pela placa, R$410,00 pelo troféu, R$350,00 pela medalha, R$280,00 pelo certificado impresso, R$320,00 pelo uso do selo ou R$230,00 pelo certificado online.

Ah se eu tivesse disponíveis as quantias mencionadas! Sem dúvida, eu me autoconcederia o prêmio “Excelência em investimento pessoal” com direito a uma belíssima viagem ao Nordeste do Brasil, incluindo duas ou três capitais. Seria merecido, não?

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quarta-feira, 10 de julho de 2019

Ficção e realidade: suas influências e benefícios para o mundo real



Você tem o hábito de ler ficção? Tem noção dos benefícios que esse ato pode te trazer? Foi a partir do compartilhamento de experiências das autoras Talita Salvador (“Entre dois Mundos”) e Rosana Dias Vitachi (Trilogia “O Espelho do Monge”), com pitadas de análise profissional da psicóloga Carla Alberici, que pudemos conhecer um pouco sobre o processo de criação de histórias de ficção e de sua influência no psicológico das pessoas.  A participação da plateia também contribuiu para a realização de uma conversa franca e agradável. Eu tive o prazer de mediar essa conversa que aconteceu no último sábado, dia 06/07/2019, no Espaço Novo Mundo, da Livraria Nobel, em Guarulhos.
Veja um resumo das principais perguntas e respostas:
Mediadora: Primeiramente, peço que as escritoras comentem o que as inspirou a escrever e que façam uma sinopse de seu livro.
Talita: Tudo começou com um sonho que tive. O prólogo do meu livro é a descrição desse sonho. Quando aconteceu, corri e anotei tudo e foi a partir daí que desenvolvi toda uma historia que permitisse chegar naquele momento. Iris Tralli é uma jovem astrônoma, nascida e crescida na cidade de São Paulo, que leva uma vida rotineira e até mesmo um pouco monótona quando, inesperadamente, é convidada a fazer parte de um projeto piloto organizado pela NASA. É dada a ela justamente a oportunidade única de colocar em prática seu maior sonho: seu projeto que lhe custou anos de trabalho. Com um time de pessoas desconhecidas, recrutadas de outras partes do globo, ela enfrentará o desafio de fazer uma viagem interplanetária em um projeto nunca antes testado. Durante todo o processo Iris terá que lidar com muitos problemas inesperados, descobertas que nunca imaginou existir e muitos conflitos internos. Ela passará por muitos desafios e finalmente embarcará no seu sonho. A questão é: será que tudo isso valerá a pena?
Rosana: A trama de meu primeiro livro surgiu de anotações que fui fazendo em meu caderno, inicialmente já tinha o início e o final. A partir disso, fui desenvolvendo como sair daquele início para chegar àquele final. Nesse momento eu não tinha ideia de que iria ser uma trilogia. A necessidade de continuidade nasceu depois.
Uma história curiosa chama a atenção de uma aluna de arqueologia: O Espelho do Monge aguardava por ser encontrado. Busca ou obsessão? De qualquer forma, Safia consegue o Espelho que, segundo a lenda, reflete a alma de quem se olha nele, mas diante daquela tão esperada vitória, se vê num impasse: ou o entrega ao advogado que financiou sua busca, ou o entrega ao Anjo Guardião do Espelho. Safia então, se encoraja numa terceira opção. Opção essa, que mudará sua vida para sempre.
Mediadora: Carla, como a psicologia define o processo de criação da ficção? Há uma característica especial na pessoa que tem facilidade para criar histórias?
Carla: São as pessoas que já têm a parte direita do cérebro mais desenvolvida. Elas costumam ter mais imaginação que faz com que elas explorem outros horizontes, no caso, a ficção. Então, pra ser uma autora de ficção precisa sair um pouco fora da caixinha, precisa ter a sua imaginação mais solta. Normalmente são pessoas que tiveram esse estímulo ao longo da infância, que já se descobriram gostando de histórias, gostando de criar situações, invenções. São pessoas com pré-disposição à imaginação. Que não ficam presas a fatos concretos e deixam a mente devanear.
Mediadora: Como é o seu processo de criação de vocês? Em que horário, dias ou frequência costumam escrever?
Rosana: Preciso ter muita disciplina e tentar reservar ao menos duas horas por dia para escrever. É claro que as outras atividades do dia a dia, também precisam ser feitas, então, acontece de ter de parar de escrever em um momento em que estou envolvida com a história para fazer as outras coisas (almoço para as crianças, por exemplo). Já aconteceu de estar cozinhando, mas, ainda com a cabeça na trama e me vir uma ideia. Nesse caso, dou uma paradinha e anoto em meu fiel caderno para não perdê-la.
Talita: Procuro me esforçar para manter uma rotina, mas, quando estava escrevendo “Entre dois Mundos” havia picos de criatividade, quando a escrita fluía velozmente e outros em que nem tanto. Apesar disso eu procurava sempre manter uma frequência de escrita razoável. Brinco que sou a maior leitora de meu próprio livro.  Cada vez que lia, chegava a excluir, alterar ou reescrever um ou vários capítulos.


Mediadora: Rosana, fale um pouco sobre o seu estilo de escrita - imaginação moral – mesmo estilo de Crônicas de Nárnia e Senhor dos Anéis, certo?

Rosana: Após minha obra concluída, lendo um pouco a respeito do estilo Imaginação moral, acabei identificando-me como uma autora desse estilo. A imaginação moral pode ser definida como a capacidade de conceber os outros seres humanos como seres morais, não como meros amontoados de células cujo comportamento possa ser esquematizado em uma equação. Pelo exercício da imaginação moral (por exemplo, quando lemos uma grande obra da literatura), criamos metáforas em nossa memória que funcionarão como modelos para identificar e compreender correspondentes morais nas relações em comunidade. Por meio da alta literatura de ficção desenvolvemos uma consciência sobre o que é ser verdadeiramente humano.

Mediadora: Para que tipo de público vocês escrevem?
Talita: Eu não tinha um público específico em mente quando comecei a escrever. Escrevia para mim e pensava no tipo de história que eu gostaria de ler. Depois que eu comecei a vender e ter as redes sociais vi que a maioria era mulher, de uns 17 a 30 tantos anos. Além disso, por ser ficção científica, acaba direcionando também para o público que gosta desse tema.
Rosana: Também não tenho um público definido, mas, entendo ser uma leitura para a partir da adolescência, para  ambos os sexos.
Mediadora: Talita e Rosana, as personagens Iris e Safia têm alguma coisa em comum com vocês?
Talita: Em algumas coisas a Iris se parece comigo, em outras não. Eu a acho muito mais arrojada, mais corajosa, alguém que se joga mais do que eu. Às vezes sinto minhas personagens me cobrando para escrever mais, por exemplo. Elas acabam criando uma personalidade própria.
Rosana: Inicialmente não, mas depois fui encontrando em Safia alguns traços meus. Acho que é natural a gente usar elementos nossos para criar nossas protagonistas. Mas depois de criada, a personagem vai tomando vida própria e acaba “mandando” na gente.
Mediadora: Carla, o que faz com que as pessoas gostem de ler ficção?
Carla: Ler ficção faz com que uma pessoa se desligue de sua vida rotineira e mergulhe em uma narrativa que vai lhe proporcionar experiências que ela possivelmente não viveria na vida real. Essa leitura tanto vai fazê-la conhecer a Nasa, transportá-la para outro planeta, viver um grande amor, etc. Esse distanciamento da vida real pode ajudá-la a superar um problema que esteja vivendo. Nós psicólogos até recomendamos a leitura em alguns casos. E há alguns transtornos que impedem a pessoa de se fixar na leitura. Ela acaba não conseguindo ler e para estudar, por exemplo, acaba tendo que recorrer a vídeos ou áudios.
Mediadora: Falando nisso, há uma grande diferença entre ler um livro e assistir a um filme, não?
Carla: Sim, porque quando você assiste a um filme você já recebe muitas coisas prontas, as imagens, o formato das coisas, os detalhes, as pessoas, tudo já vem pronto para você consumir. Já com o livro não é bem assim. Você lê uma descrição, mas, tem que criar a sua versão das coisas, dos lugares, das pessoas. Cada leitor vai criar a sua versão. Por isso quando sai um filme baseado em um livro, muitas pessoas acabam não gostando de tudo o que veem porque imaginaram de outra forma.
Mediadora: Vocês já estão em processo de criação de outro livro? É uma sequência da história ou um novo enredo?
Talita: Já iniciei uma continuação do primeiro, mas, ainda está bem no início.
Rosana: Iniciei a escrita de uma contextualização histórica da Trilogia que contará com quatro contos, dois que antecedem a história principal (Trilogia) e dois depois. O projeto conta com os contos: OEDM (O Espelho do Monge) A Origem; OEDM O Mosteiro da Colina; OEDM Os Primogênitos e OEDM A Batalha Final. O primeiro conto já se encontra em fase de revisão.
Plateia: O que vocês pensam sobre o livro digital?
Talita: O livro digital pode se adequar melhor a uma geração que já nasce com o celular na mão. Para eles, esse tipo de leitura talvez seja mais aceito. Eu particularmente tenho meu Kindle, que já usei para ler algumas obras, mas, confesso que prefiro o livro físico mesmo. O folhear das páginas, o cheiro do livro, tudo isso é importante para mim e para muitas pessoas. Mas entendo que as duas formas podem conviver juntas, sem que uma vença a outra. Com relação às vendas, meus exemplares físicos vendem melhor que o E-book.
Acho também que o livro digital tem uma característica que pode cativar alguns tipos de leitores. Por exemplo, aqueles que apreciam “Hot books”, às vezes preferem lê-lo em um lugar público através de um leitor digital para não serem “descobertos” em seu tipo de leitura.
Fátima: Tenho um carinho muito grande pelo livro físico e espero que ele nunca acabe. Confesso que no inicio cheguei a ter preconceito em relação ao digital, achava difícil e até inviável a leitura pelo celular. Mas foi só trocar de aparelho, por um com letras maiores, que acabei me acostumando e hoje utilizo sem problemas. Sempre que vou a um lugar onde sei que precisarei esperar por algum tempo, como um consultório ou uma viagem de avião, não deixou de carregar um livro comigo. Quando acontece de esquecer é que recorro ao digital, disponível ali pelo meu celular.
Rosana: Creio que seja uma opção pessoal, embora acredite que o livro impresso não será substituído, pois, favorece muito mais leitores, especialmente aqueles que possuem algum tipo de limitação visual onde a tela do celular/aparelho de leitura seja prejudicial.
Mediadora: Como autoras e como psicóloga, vocês não acham que existem dois tipos de preconceito com relação à leitura? Um daquelas pessoas que dizem não gostar de ler, mesmo sem terem tentado de verdade e daquelas que acham que ler ficção seja perda de tempo, não trazendo nenhum conhecimento, como acontecem com livros técnicos, por exemplo.
Carla: Sim, o que existe é uma espécie de preconceito mesmo. O hábito de leitura normalmente se desenvolve dentro da família. Quando os pais têm habito de ler, normalmente acabam estimulando seus filhos à leitura. Existem escolas que fazem um trabalho de iniciação literária com as crianças, mas, nós não podemos deixar isso como incumbência apenas da escola.
Quanto aos livros de ficção, como eu disse, eles trazem um beneficio específico para quem lê. É uma leitura bem diferente de quando se está estudando. Não há compromisso em adquirir conhecimento, embora isso possa acontecer. É uma abstração da realidade, um tempo para desligar dos problemas, mergulhar em uma história.
Rosana: Quando alguém diz que não gosta de ler, pode ser uma espécie de trauma que tenha tido com uma tentativa de leitura errada. Nem todo mundo se adapta a todos os tipos de leitura. Por isso é importante descobrir qual tipo de leitura lhe agrada mais, introduzir leituras adequadas para cada faixa etária e ter uma educação mais eficaz nesse sentido, para construir uma cultura literária que seja mais enriquecedora.
Plateia: Quando vocês mencionam esses preconceitos, não seria também por causa do preço elevado dos livros?
Carla: Para mim é uma questão de prioridade. As pessoas acabam priorizando outras coisas, preferem gastar 50 reais fazendo uma escova no cabelo, um procedimento estético ou comprando uma blusinha em vez de gastar esses mesmos 50 reais em um livro.
Plateia: Só contribuindo com essa questão do gosto pela leitura, eu sempre gostei de ler, mas, não por influência de ninguém da minha família. Tenho cinco irmãos e nenhum deles é viciado em leitura como eu. Meu pai não queria que a gente lesse jornais. Eu ia ao açougue e lia os jornais que eram usados antigamente para embrulhar as carnes. Acho que no meu caso, isso faz parte da minha personalidade.
Plateia: Quanto às escolas, a imposição de leitura de alguns livros, obrigatórios para os alunos em determinadas situações, não contribuiria também para o fato de muitos acabarem não gostando de ler?
Rosana: Eu acredito que sim. Aquele livro imposto, sem uma contextualização e valorização adequadas por parte dos professores, pode não ser agradável àquela pessoa e aí ela já fica achando que não gosta de ler.
Plateia: Vocês autoras fizeram pesquisas para compor detalhes dos livros?
Talita: Sim, eu fiz algumas pesquisas para poder descrever o treinamento dos astronautas, por exemplo, ou a disposição dos prédios na Nasa. Mas é claro que deixei a imaginação fluir também. Só tomei o cuidado para não escrever algo muito diferente da realidade. Mesmo sendo ficção, não ficaria bem escrever algo muito impossível ou diferente do que é.
Rosana: Sim, fiz muitas pesquisas, pois sempre quis escrever com sentido, com significado. Até ao escolher o nome das personagens eu procurei não fazê-lo aleatoriamente. No último livro eu explico o significado dos nomes que acabam complementando a história.

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