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Mostrando postagens de 2023

Revisionismos: O valor de cada tempo

  Partindo-se do princípio de que revisionismo é o ato de reanalisar algo do passado, de forma a interpretá-lo com princípios atuais, alguns têm a opinião de que, quando falamos de obra literária, de obra de arte, esse ato não faria nenhum sentindo. A obra de arte é e sempre deverá ser o que era quando foi criada. Não é para preservar a sua autenticidade que se procura proteger um quadro, uma escultura, da ação do tempo, mantendo-os em locais em que sofram o mínimo possível de ataque ou interferência externa? Ou então, quando a obra sofre algum dano ou desgaste, faz-se um esforço para restaurá-la, para que fique nas mesmas condições e aparência originais? Tudo para se preservar a obra. Talvez o único que possa “revisá-la” seja seu autor, apesar de que, após muito tempo ter se passado desde a criação, represente lançar um novo olhar para ela e uma consequente transformação. Nesse caso, talvez ela esteja sendo destruída e servindo como matéria-prima para um novo produto. Não há...

Modismos Sociais e Estéticos na Literatura

       A moda é um conjunto de opiniões, gostos, assim como modos de agir, viver e sentir coletivos. O modismo tem a ver com aceitação, com a necessidade de ser aceito.  Os primeiros modismos que podemos citar em processos de escrita são aqueles configurados pelo uso de palavras ou expressões da “moda”. Nós vivemos em uma cultura viva, em que o idioma também é vivo, em que novas palavras são constantemente incorporadas ao vocabulário ou usadas em sentido diferente do original. A questão é que alguns termos acabam se tornando esvaziados ou se tornam clichês, de uso forçado. Nós escritores precisamos ficar atentos a eles, assimilar o que achamos importante ser assimilado, mas nem sempre nos render a imposições da linguagem. Palavras como “resiliência”, “ressignificar”, por exemplo, tornaram-se de uso frequente. O mesmo acontece com termos como “não é sobre... é sobre...”, “ato de resistência” etc.    Se a pessoa não usa esses termos, parece não ser “in...

VANGUARDAS: A ESTÉTICA DA RUPTURA

  Quando o termo vanguarda (do francês, avant-gard), o que marcha na frente, portanto, de origem militar, foi associado às artes, no início do século XX, foi para identificar aqueles que “marchavam” na frente, que iam abrindo caminhos, a partir de uma ruptura de conceitos, dogmas, formas, linguagens etc. Entretanto, se formos analisar em termos de ruptura, podemos dizer que uma das mais importantes é de bem antes, a partir do Renascimento, em que há um rompimento com o teocentrismo e a adoção do antropocentrismo, passando o homem a ser o centro do universo. Na pintura e na escultura começa-se a se preocupar com a escala, com a profundidade, com os detalhes, uma busca pela perfeição. Depois com o Impressionismo já se abandona a necessidade de um quadro imitar a realidade. Passa-se a valorizar mais o Sol, que revela as cores. Outro período importante de ruptura veio pelo Romantismo, não aquele ao qual nos remete a palavra, entre duas pessoas, mas aquele diretamente relacionado a ...

Verossimilhança: a Invenção de Realidades

       Como declara Fernando Pessoa em seu poema Autopsicografia, o poeta é um fingidor. Na verdade, não apenas o poeta, bem como todo artista que cria uma obra fictícia, seja ela escrita, encenada, declamada, pintada, esculpida etc. Mas exatamente por ser fingimento, ela precisa parecer verdadeira. Precisa ser coerente dentro do sistema proposto pelo autor.    Uma obra é a invenção de um mundo de quatro paredes. Se uma dessas paredes é “quebrada”, ou seja, se algo no cenário, no diálogo, na letra ..., não é verossímil perante o que foi criado, se um acontecimento não parece possível de acordo com a sequência estabelecida, isso pode interferir, negativamente, na integridade da obra.    Como se sente um telespectador atento que assiste a um filme cuja história se passa no século XVIII e se depara com um tênis All Star (item de vestuário que só foi inventado em 1971) no armário da rainha? Se antes acreditava no que via, sente-se imediatamente de...

O bom samaritano

“Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe arrancaram tudo e o espancaram. Depois foram embora e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele caminho; quando viu o homem, passou adiante, pelo outro lado. O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu e passou adiante pelo outro lado. Mas um samaritano que estava viajando, chegou perto dele, viu e teve compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal, e o levou a uma pensão, onde cuidou dele” . Lucas 10,30-34. Um gay ia caminhando pela avenida Paulista, quando foi abordado e espancado por uma gang de SkinHeads. Depois que ele estava desacordado de tanto apanhar, foram embora e o deixaram ali, quase morrendo. Um pastor que passava pela mesma calçada, viu e o ignorou, seguindo adiante, a caminho do culto. Um político também passou e desviou do caminho. Afinal, nem era época de el...

Quando tudo é arte, nada é arte

  Mais uma vez, em nosso Encontro de Escritores e Leitores, somos provocados a discutir o que é arte, refletindo também, na verdade, sobre o que não é. O assunto surgiu a partir do livro “Argumentação contra a morte da arte”, de Ferreira Gullar, em que ele grafa a frase “Quando tudo é arte, nada é arte”. Não cabe aos escritores o papel de determinar de maneira impositiva “isto é arte”, ”aquilo não é”. Na verdade, estamos muito mais para ser julgados dessa forma, por nosso trabalho, do que para julgar. Entretanto, podemos refletir sobre isso, tanto para termos uma visão mais ampla dos mecanismos que envolvem a produção e a exposição de arte pelo mundo, quanto para que nós mesmos possamos avaliar aquilo que estamos produzindo. De acordo com Gullar, o movimento impressionista do século XIX não foi bem compreendido pelos críticos, que fizeram pouco dele, mas, que passados poucos anos, acabou ficando evidente que havia grandes gênios entre os artistas da época. Monet, Van Gogh, Renoir.....

WhasApp - como a gente usa?

Por que será que hoje em dia as pessoas acham que podem resolver tudo pelo WhatsApp? Nada contra essa rede social. Pra falar a verdade, eu até a uso com frequência. Mas utilizo para o fim que acho que ela deva ser usada: para falar diretamente com familiares e amigos, sobre assuntos que não são tão urgentes, em lugar de ligar e correr o risco de interromper algo que a pessoa esteja fazendo (detesto quando acontece comigo!). Nada de ficar esperando resposta na hora, vendo se visualizou ou não e essas paranoias todas. Também participo de alguns grupos, novamente de familiares, de amigos, de pessoas com interesses comuns etc. Só que tem um lado maléfico dessa rede que faz com que as pessoas percam a noção do que é se relacionar em comunidade ou em sociedade. Parece que estão em uma arena, prontos a atacar quem quer que seja, sem qualquer risco ou dor na consciência. Primeiramente, está cheio de gente por aí que passou a se “informar” por WhatsApp, ou por sua versão russa, o Telegram...

Duas posses

  Hoje busquei algumas fotos antigas, de primeiro de janeiro de 2003, quando participei de uma das experiências mais emocionantes da minha vida – da primeira posse do presidente Lula. Embora eu não fosse filiada a nenhum partido político, a ascensão ao poder por um homem de origem humilde, com uma trajetória de luta por causas sindicais, estigmatizado pelo preconceito e chamado de analfabeto por pessoas que desacreditavam de sua capacidade, fizeram com que me decidisse a aceitar o convite de uma amiga e acompanhá-la naquela aventura em Brasília. Foi, sem dúvida, um grande momento para o Brasil, ofuscado depois por fatos que se sucederam. As imagens de hoje, primeiro de janeiro de 2023, capturo pela televisão, de onde ouço os discursos emocionados de um presidente iluminado, que recebe uma nova chance de, conforme suas próprias palavras, “fazer melhor do que antes”. A promessa é de recuperação da economia e combate à fome e à desigualdade. Por todo o retrocesso e barbaridades ...