Quando perguntado sobre a diferença entre prosa e poesia em uma entrevista, Umberto Eco disse que o poeta reage à palavra, enquanto que quem escreve prosa relata coisas que acontecem no mundo. Para ilustrar sua tese, ele contou uma história sobre o poeta italiano Montale, que fazia poemas sobre flores, apesar de não as conhecer, apenas gostando da sonoridade que seus nomes tinham. “Meus poemas são sobre palavras, não sobre coisas”, teria dito.
Provavelmente a afirmação dos dois tenha relação com a forma
ritmada com que se usa as palavras nos poemas. Elas são escolhidas e dispostas para
se ter certa cadência.
Ainda que se escreva livros inteiros somente para dizer o
que é poesia e o que é prosa, certamente ainda ficaria algo por falar. No
mínimo, podemos dizer que poesia e prosa se diferenciam pelo ritmo. A poesia
assemelha-se mais à música, ela tem que ter essa cadência, tem que ter
combinações sonoras entre as palavras. A rima, por exemplo, é apenas um dos
recursos da poesia.
Essa característica e a sonoridade alcançada no processo de
elaboração, que o poeta precisa exercer intencionalmente, com domínio técnico e
linguagem poética, irão determinar a qualidade do poema e o quanto ele é
agradável aos ouvidos de quem escuta sua declamação.
Quando o homem surge com a contação de histórias, surge a poesia. Mas a cultura de se dividir a poesia em versos é de quando a poesia passou a ser escrita e publicada, porque antes, quando era apenas falada, quando os rapsodos as apresentavam nos palcos, se eles as anotavam, o faziam em linha reta, para ocupar menos espaço.
A partir dessa disposição em versos, a poesia passa a ficar
com um aspecto visual na página, que outros poetas mais tarde começam a
trabalhar com uma sugestão de imagem nesse espaço ocupado pelas letras. Começa
a ganhar corpo a espacialidade de Mallarmé, a ideia da poesia visual, que existe
mesmo antes dos poetas concretos.
A poesia está, portanto, caracterizada pelo uso dessas duas
coisas, uma imagética, que é como se distribui o texto no papel, e o uso de
cadência, de sonoridade, de certo arranjo harmônico das palavras, que resulta
numa sonoridade inexistente na prosa, normalmente.
Já a prosa, de maneira geral, está muito mais próxima do
formato da conversação. Não é à toa que o mineiro diz: “Posso ter um dedinho de
prosa com você?”. É comum lermos um romance e termos a sensação de que quem o
escreveu está conversando conosco, está nos contando algo. Por isso a prosa
está ligada à narrativa.
Desta forma, a poesia está num campo de musicalidade,
enquanto a prosa no campo da conversação. Entretanto, quem escreve não
necessariamente obedece a essa regra, e nem deve. Então, temos muitos poetas
que tomam elementos da prosa por empréstimo e vice-versa, proseadores que escrevem
textos em prosa carregados de poesia.
Entre os poetas que usam recursos da prosa podemos destacar Walt
Whitman, considerado “o pai do verso livre” e Allen Ginsberg, poeta Beat. Eles
pegam a linguagem de rua e transformam em poesia, extraem elementos da própria
conversação, dos diálogos e os colocam nos versos. Por isso os versos que esses
dois poetas escrevem não são curtos, são alargados por essa característica.
Seus escritos não são classificados como prosa por terem a já comentada
cadência.
Podemos, então, de uma forma generalizada, dividir os poemas
em três categorias: poema em verso, poema visual e poema em prosa.
Por outro lado, Machado de Assis, na dedicatória que escreve
em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Ao verme que primeiro roeu as frias
carnes do meu cadáver...”, se olharmos no papel, ele vai deixando espaços entre
as palavras, dando a ideia do verme comendo, antecipando elementos da poesia
visual, que vão começar a partir do século XIX. Guimarães Rosa traz
musicalidade para dentro de seu texto, usa muita combinação sonora, muito jogo
de assonâncias, de aliterações, com uso de metáforas originais, muito próprias,
carregadas de poesia. Se pegarmos trechos de Grande Sertão Veredas e os
colocarmos em versos, teremos um poema riquíssimo.
Enquanto a prosa se resolve através da linguagem, a poesia
se resolve na linguagem, com a liberdade de a palavra se portar como ela quiser
dentro do espaço, tanto no espaço em branco, do papel, quanto na fala do poeta.
Podemos dizer, então, que é possível tentar definir poesia e
prosa, mas tendo em mente que existem pontos de comunicação entre elas, não
havendo separação, nem campo restrito que impeça que um visite o outro.
Mas há também certa proximidade entre elas. Se analisarmos a
origem etimológica dos termos “verso” e “prosa” veremos que eles vêm de uma
mesma raiz, que se aproxima de um termo chamado “proversa”. O poeta e o
escritor de prosa, portanto, compartilham de um mesmo ponto, de uma mesma
essência.
O próprio termo “prosa” significa “caminhar para frente”.
Então, a prosa é aquela escrita em que se segue em frente, entendendo o
discurso sem a necessidade de retornar ou de quebrar. Já o termo “verso” é bem
próximo de “versos”, que significa “retorno”. Daí a leitura do poema necessitar
desse trabalho de retorno, de voltar várias vezes, que acontece quando se lê um
haicai, por exemplo. Além disso, quem gosta de poesia, destrinça o poema,
quebra o poema.
Se pensarmos que “antes de existir a palavra, existia a
poesia”, que o mundo é poético, que nosso olhar é poético, escrever se originou
da capacidade de se expressar o cotidiano de uma forma poética. A poesia para
ser cativante precisa nos remeter a uma história particular e a prosa precisa
retratar de forma mais detalhada a poesia que encontramos no cotidiano.
Há também, em relação à poesia, uma ideia de condensação. Segundo
Charles Bukowski, a poesia diz tudo no menor espaço de tempo; a prosa demora
muito para dizer quase nada. Ezra Pound também define a poesia como se tendo o
máximo de significado com um mínimo de palavras.
Se refletirmos sobre a frase atribuída a Octavio Paz, “O
poeta liberta a palavra, o prosador a aprisiona”, podemos pensar que uma palavra
utilizada em uma prosa tem um significado claro, que compõe a história que está
sendo contada, que informa, ao passo que a mesma palavra dentro de um poema tem
um caráter simbólico, abre nossa imaginação, se transforma, vai além, leva à
fantasia, abre um leque de possibilidades para o leitor imaginar.
Na busca de se ter um texto poético eficiente, uma prosa cativante,
basta lembrarmos da Rita Lee cantando “Amor é prosa, sexo é poesia...”.
Publicações mencionadas:
Argumentação contra a morte da arte – Ferreira Gullar
O Nome da Rosa – Umberto Eco
A Definição da Arte - Umberto Eco
Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis
Grande Sertão: Veredas – Guimarães Rosa
O Burrinho Pedrês – Guimarães Rosa
Entredados – Augusto de Campos e Cid Campos
Cem anos de solidão – Gabriel García Márquez
Morte e Vida Severina – João Cabral de Melo Neto
Fragmentos de um discurso amoroso - Roland Barthes
A câmara clara - Roland Barthes
Caso do vestido - Drummond
Um ponto azul – José Alaercio Zamuner
Latomia de um Labuá e outros Solilóquios loucos e Metalinguísticos
... – Rogério Brito Correia
Outros Poetas e teóricos mencionados:
Manoel de Barros
Shakespeare
Manoel Bandeira
Arthur Rimbaud
Mia Couto
Obs.: Texto elaborado com base no que foi discutido durante o XXVII – Encontro de Escritores e Leitores, realizado pelo Google Meet em 18/10/2024.
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