segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Fronteiras e Câmbios entre a Poesia e a Prosa

    Quando perguntado sobre a diferença entre prosa e poesia em uma entrevista, Umberto Eco disse que o poeta reage à palavra, enquanto que quem escreve prosa relata coisas que acontecem no mundo. Para ilustrar sua tese, ele contou uma história sobre o poeta italiano Montale, que fazia poemas sobre flores, apesar de não as conhecer, apenas gostando da sonoridade que seus nomes tinham. “Meus poemas são sobre palavras, não sobre coisas”, teria dito.

    Provavelmente a afirmação dos dois tenha relação com a forma ritmada com que se usa as palavras nos poemas. Elas são escolhidas e dispostas para se ter certa cadência.

    Ainda que se escreva livros inteiros somente para dizer o que é poesia e o que é prosa, certamente ainda ficaria algo por falar. No mínimo, podemos dizer que poesia e prosa se diferenciam pelo ritmo. A poesia assemelha-se mais à música, ela tem que ter essa cadência, tem que ter combinações sonoras entre as palavras. A rima, por exemplo, é apenas um dos recursos da poesia.

    Essa característica e a sonoridade alcançada no processo de elaboração, que o poeta precisa exercer intencionalmente, com domínio técnico e linguagem poética, irão determinar a qualidade do poema e o quanto ele é agradável aos ouvidos de quem escuta sua declamação.

    Quando o homem surge com a contação de histórias, surge a poesia. Mas a cultura de se dividir a poesia em versos é de quando a poesia passou a ser escrita e publicada, porque antes, quando era apenas falada, quando os rapsodos as apresentavam nos palcos, se eles as anotavam, o faziam em linha reta, para ocupar menos espaço.

    A partir dessa disposição em versos, a poesia passa a ficar com um aspecto visual na página, que outros poetas mais tarde começam a trabalhar com uma sugestão de imagem nesse espaço ocupado pelas letras. Começa a ganhar corpo a espacialidade de Mallarmé, a ideia da poesia visual, que existe mesmo antes dos poetas concretos.

    A poesia está, portanto, caracterizada pelo uso dessas duas coisas, uma imagética, que é como se distribui o texto no papel, e o uso de cadência, de sonoridade, de certo arranjo harmônico das palavras, que resulta numa sonoridade inexistente na prosa, normalmente.

    Já a prosa, de maneira geral, está muito mais próxima do formato da conversação. Não é à toa que o mineiro diz: “Posso ter um dedinho de prosa com você?”. É comum lermos um romance e termos a sensação de que quem o escreveu está conversando conosco, está nos contando algo. Por isso a prosa está ligada à narrativa.

    Desta forma, a poesia está num campo de musicalidade, enquanto a prosa no campo da conversação. Entretanto, quem escreve não necessariamente obedece a essa regra, e nem deve. Então, temos muitos poetas que tomam elementos da prosa por empréstimo e vice-versa, proseadores que escrevem textos em prosa carregados de poesia.

    Entre os poetas que usam recursos da prosa podemos destacar Walt Whitman, considerado “o pai do verso livre” e Allen Ginsberg, poeta Beat. Eles pegam a linguagem de rua e transformam em poesia, extraem elementos da própria conversação, dos diálogos e os colocam nos versos. Por isso os versos que esses dois poetas escrevem não são curtos, são alargados por essa característica. Seus escritos não são classificados como prosa por terem a já comentada cadência.

    Podemos, então, de uma forma generalizada, dividir os poemas em três categorias: poema em verso, poema visual e poema em prosa.

   Por outro lado, Machado de Assis, na dedicatória que escreve em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver...”, se olharmos no papel, ele vai deixando espaços entre as palavras, dando a ideia do verme comendo, antecipando elementos da poesia visual, que vão começar a partir do século XIX. Guimarães Rosa traz musicalidade para dentro de seu texto, usa muita combinação sonora, muito jogo de assonâncias, de aliterações, com uso de metáforas originais, muito próprias, carregadas de poesia. Se pegarmos trechos de Grande Sertão Veredas e os colocarmos em versos, teremos um poema riquíssimo.

    Enquanto a prosa se resolve através da linguagem, a poesia se resolve na linguagem, com a liberdade de a palavra se portar como ela quiser dentro do espaço, tanto no espaço em branco, do papel, quanto na fala do poeta.

    Podemos dizer, então, que é possível tentar definir poesia e prosa, mas tendo em mente que existem pontos de comunicação entre elas, não havendo separação, nem campo restrito que impeça que um visite o outro.

    Mas há também certa proximidade entre elas. Se analisarmos a origem etimológica dos termos “verso” e “prosa” veremos que eles vêm de uma mesma raiz, que se aproxima de um termo chamado “proversa”. O poeta e o escritor de prosa, portanto, compartilham de um mesmo ponto, de uma mesma essência.

    O próprio termo “prosa” significa “caminhar para frente”. Então, a prosa é aquela escrita em que se segue em frente, entendendo o discurso sem a necessidade de retornar ou de quebrar. Já o termo “verso” é bem próximo de “versos”, que significa “retorno”. Daí a leitura do poema necessitar desse trabalho de retorno, de voltar várias vezes, que acontece quando se lê um haicai, por exemplo. Além disso, quem gosta de poesia, destrinça o poema, quebra o poema.

    Se pensarmos que “antes de existir a palavra, existia a poesia”, que o mundo é poético, que nosso olhar é poético, escrever se originou da capacidade de se expressar o cotidiano de uma forma poética. A poesia para ser cativante precisa nos remeter a uma história particular e a prosa precisa retratar de forma mais detalhada a poesia que encontramos no cotidiano.

    Há também, em relação à poesia, uma ideia de condensação. Segundo Charles Bukowski, a poesia diz tudo no menor espaço de tempo; a prosa demora muito para dizer quase nada. Ezra Pound também define a poesia como se tendo o máximo de significado com um mínimo de palavras.

  Se refletirmos sobre a frase atribuída a Octavio Paz, “O poeta liberta a palavra, o prosador a aprisiona”, podemos pensar que uma palavra utilizada em uma prosa tem um significado claro, que compõe a história que está sendo contada, que informa, ao passo que a mesma palavra dentro de um poema tem um caráter simbólico, abre nossa imaginação, se transforma, vai além, leva à fantasia, abre um leque de possibilidades para o leitor imaginar.

  Na busca de se ter um texto poético eficiente, uma prosa cativante, basta lembrarmos da Rita Lee cantando “Amor é prosa, sexo é poesia...”.

 

Publicações mencionadas:

Argumentação contra a morte da arte – Ferreira Gullar

O Nome da Rosa – Umberto Eco

A Definição da Arte - Umberto Eco

Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis

Grande Sertão: Veredas – Guimarães Rosa

O Burrinho Pedrês – Guimarães Rosa

Entredados – Augusto de Campos e Cid Campos

Cem anos de solidão – Gabriel García Márquez

Morte e Vida Severina – João Cabral de Melo Neto

Fragmentos de um discurso amoroso - Roland Barthes

A câmara clara - Roland Barthes

Caso do vestido - Drummond

Um ponto azul – José Alaercio Zamuner

Latomia de um Labuá e outros Solilóquios loucos e Metalinguísticos ... – Rogério Brito Correia

 

Outros Poetas e teóricos mencionados:

Manoel de Barros

Shakespeare

Manoel Bandeira

Arthur Rimbaud

Mia Couto


Obs.: Texto elaborado com base no que foi discutido durante o XXVII – Encontro de Escritores e Leitores, realizado pelo Google Meet em 18/10/2024.

#poesia

#poemas

#verso

#prosa

#artes

#literatura

#escrita


segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Arte por encomenda: do mecenato aos comerciais


Foto de Angelo Macedo


A palavra mecenato vem do Império Romano, de antes de Cristo, e teve origem em Caio Mecenas, que como conselheiro do imperador Otávio Augusto começou a influenciá-lo a investir nos artistas, de alguma forma patrocinando algumas obras. No Renascimento, do século XV para XVI, o modelo de arte começou a ser uma retomada do classicismo da antiga Grécia, da antiga Roma, e começou-se a usar o conceito de mecenas. Só que não mais apenas em relação à família real, podendo ser executado por nobres, alta burguesia ou pela igreja. Essa última, a Igreja, foi mecenas de muitos artistas.

O pintor Hieronymus Bosch é um exemplo. Autor do quadro “O Jardim das delícias terrenas” (disseram que era inicialmente patrocinado pela igreja, apesar de seu conteúdo um tanto inadequado para os padrões morais dessa entidade) antecipou em séculos o surrealismo. Se compararmos suas pinturas às de Salvador Dali, podemos concluir que o segundo pode ter se influenciado pela obra do primeiro. Um papa foi quem encomendou a pintura da Capela Sistina a Michelangelo. Empregar o artista era uma forma de patrocinar sua obra. Será que Michelangelo deixou de ser ele, deixou de fazer as coisas nas quais acreditava, enquanto contratado pela igreja? Ou será que ele conseguiu levar o artista que ele era para compor qualquer que fosse a encomenda?

Quando um artista vai fazer algo encomendado por alguém, para um grande grupo de televisão, por exemplo, é comum se dizer “ele se vendeu”. Mas a verdade é que a classe artística sempre dependeu de certo financiamento para fazer sua obra. Talvez o único mercado em que isso não aconteça seja nos Estados Unidos, porque no restante do mundo você sempre vai depender de uma lei de incentivo, de um patrocínio, de uma fonte de sustento. Para nós escritores, nossa produção não tem tanto custo, mas para produzir cinema, teatro e outros gêneros precisa-se de muito investimento.

Diz-se que as obras “1984” e “A revolução dos Bichos” teriam sido patrocinadas pelo ocidente, como uma propaganda anticomunista. Mas a palavra “revolução” apareceu apenas na tradução do título para o português, porque no original era “Animal Farm”, ou seja, “A Fazenda dos Bichos”. “1984”, que inspirou o atual programa de TV “Big Brother”, retratava inicialmente “O Estado vigiando as pessoas”.  George Orwell era de esquerda. Ele não acreditava nos regimes totalitários. Então, quando ele escreve, ele está criticando esses regimes e não propriamente os regimes de esquerda. De acordo com o biógrafo Jeff Meyers, uma gaúcha chamada Mabel Lilian Sinclair Fierz, nascida no Brasil, mas filha de ingleses, teria bancado George Orwell durante algum tempo. Ela teria sido mecenas dele.

Foto de Carlos Barreto

Quantos artistas precisam fazer coisas por encomenda? São muitos. Dalton Trumbo, que escreveu o roteiro de “Spartacus”, de “A Princesa e o Plebeu”, entre outros, foi identificado na época do macartismo como um possível comunista, teve de escrever vários roteiros e assinar com pseudônimos para continuar trabalhando. Quem trouxe de volta seu nome ao mercado do cinema foi Kirk Douglas, que insistiu que ele assinasse o roteiro de Spartacus. Então, ele foi contratado para fazer esse roteiro de imenso sucesso.

Muitas vezes o artista trabalha por encomenda, mas não se torna um artista menor por isso, ele vai levar a arte dele para onde ele for. A maioria deles não se nega a esse papel, a não ser que o que lhe estejam pedindo fira alguma norma ética ou ideológica.

Lennon e McCartney foram livres para escrever o que queriam. Mas em 1967, quando haveria a primeira transmissão via satélite para todos os países do mundo, cada país deveria fazer uma exibição de algo que fosse próprio dele. Então, a Inglaterra escolheu os Beatles, que estavam no auge naquele momento. Tendo aceitado o desafio, Lennon compôs “All we need is love”. Talvez ele não tivesse escrito essa música, se não tivesse recebido a encomenda. Paul já estava em carreira solo quando foi perguntado se queria escrever a música tema do próximo filme de 007, que ia se chamar “Live and Let Die”. A música, do mesmo título, foi indicada ao Oscar e, embora não tenha ganho, tornou-se grande sucesso.

Quando se fala em trilha sonora, não se consegue imaginar “Star Wars” sem a trilha do John Williams, criada especialmente para a série. A música composta para Psicose de Hitchcock, tornou-se parte do próprio filme.

Alguns jingles encomendados por grandes empresas, para apresentar seus produtos em comerciais de TV, marcam a gente, ficam na memória de quem os ouviu para sempre. Renato Teixeira, autor de Romaria, fez o jingle do comercial da bala de leite Kids e do Ortopé. Esses jingles sustentaram a carreira de compositor dele. “Marcas do que se foi”, composta por Ruy Maurity, foi uma encomenda do Governo Federal, como mensagem de final de ano. Ricardo Corte Real ficou famoso por criar um jingle de papel higiênico. A maioria desses compositores aceitaram o desafio de fazer algo, com uma duração apenas de 30 segundos, que marcasse as pessoas. Eles conseguiram fazer isso. Um desafio semelhante a quem escreve um Haicai, por exemplo, que com pouquíssimas palavras precisa dizer muito e tocar o leitor.

Quando um escritor escreve um prefácio, um texto de orelha é por encomenda.  O fato é que muitas vezes a gente é chamado a escrever algo, que se não fosse a pedido de alguém, talvez não tivesse sido criado. Isso é muitas vezes um desafio que pode funcionar ou não. O próprio Chico Buarque pegou encomendas que não conseguiu entregar.

De qualquer forma, a questão é, o trabalho autoral e o feito por encomenda são necessariamente coisas opostas ou a gente consegue trabalhar bem dos dois jeitos?

O que dá certo e o que não dá

Foto de Angelo Macedo

Nós que somos escritores, recorremos a designers para fazer nossas capas e ilustrações.  Muitas vezes as capas partem de um quadro. Por exemplo, a Margaret Cruz, Meg Cross, como gosta de ser conhecida, participante do encontro, pintou a tela encomendada para virar capa do livro, “Cadeira de Mulher”.

A Mona Lisa é um retrato de uma mulher chamada Lisa Gherardini,  esposa de  um rico comerciante florentino. A pintura foi encomendada a  Leonardo da  Vinci pelo marido de Lisa e foi concluída em 1506.  Desde então, ela se tornou uma das obras de arte mais famosas e emblemáticas do mundo.

O tema de abertura "Irmãos Coragem", de Nonato Buzar e Paulinho Tapajós, um dos mais marcantes da primeira fase das telenovelas brasileiras, foi cantado por Jair Rodrigues. A música foi feita por encomenda para a novela, e aparece em duas versões, a primeira, instrumental, foi usada na abertura até o capítulo 12, quando acontece uma virada da trama, passando, então, a ser ouvida a gravação na voz de Jair Rodrigues.

Ainda falando-se dessa novela, a maioria das gravações foram feitas especialmente para ela, prática comum nas primeiras trilhas. O cantor e compositor Tim Maia teve sua primeira gravação em disco, com "João Coragem", que na verdade é a mesma "Padre Cícero", do primeiro álbum solo dele. A música foi adaptada e mudada a letra para servir ao personagem. Maysa gravou "Nosso Caminho", de Fred Falcão e Arnoldo Medeiros. Denise Emmer, filha de Janete Clair, compôs "Coroado" e cantou ao lado de Marcus Pitter.

Foi Guto Graça Mello quem insistiu para que os temas de novelas não fossem feitos todos por encomenda a um ou dois compositores, mas também pescados entre as novidades das gravadoras. E foi ele a quem Boni ordenou montar, de um dia para o outro, a trilha de “Pecado capital” (1975). Antes disso, ele foi o jovem violonista e arranjador que, depois de dar uma resposta atravessada a Boni em uma reunião, acabou sendo escalado para compor o tema do programa que a Globo lançaria em 1973: o “Fantástico”, tema esse que só saiu em cima da hora, quando ele estava no berçário com a filha recém-nascida.

O tema de Pecado Capital acabou sendo composto por Paulinho da Viola em apenas um dia. Após saber que a última cena da novela seria com o Carlão de Francisco Cuoco sendo alvejado por uma bala e o dinheiro voando de sua maleta, Paulinho chegou à conclusão que “Dinheiro na mão é vendaval” e criou o inesquecível tema.

"Luiza", de Tom Jobim, foi composta a pedido do autor Gilberto Braga, para a abertura da novela Brilhante, de 1981.

Outro exemplo de trabalho por encomenda citado por uma das autoras presente no encontro de escritores foi o Livro “Filha de Circe”, de Simone Rodrigues, no gênero Hot pedido pela editora, que tinha interesse em criar um selo desse gênero. Segundo a autora, ela recorreu à fantasia misturada com hot e deu certo.

O mesmo sucesso muitas vezes não se concretiza quando se trata de esculturas feitas em homenagem a pessoas famosas. Muitas, feitas para eternizar famosos jogadores de futebol como Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, Maradona e vários outros, acabaram virando motivo de piada. A estátua da atriz Lucille Ball em Nova York foi apelidada de "Scary Lucy" devido à sua aparência assustadora. O artista até pediu desculpas e uma nova estátua foi feita. A de Michael Jackson, em Londres, foi tão controversa que acabou sendo removida após dois anos.

Podemos concluir que a encomenda bem feita, para a pessoa certa, terá um resultado à altura do seu criador.

Obs.: Texto criado com base no que foi debatido durante o XXVI Encontro de Escritores e Leitores, na noite de 23/08/2024, no Centro do Professorado Paulista – CPP. Mediação de César Magalhães Borges, coordenado por mim (Fátima Gilioli) e por Guilhermina Helfstein, responsável pela iniciativa.

#literatura

#artes

#mecenato

#arteporencomenda

 






sexta-feira, 28 de junho de 2024

Reflexões sobre como a figura do escritor é retratada nas telas

 


Sonhador, romântico, boêmio, marginal, irresponsável são muitos os rótulos que vêm sendo atribuídos aos escritores em suas diversas versões televisivas ou cinematográficas. Para tentar captar essas imagens e detectar suas distorções em relação à realidade, colocamos em pauta o tema “Reflexões sobre como a figura do escritor é retratada nas telas".

Em sua introdução, o escritor César Magalhães Borges usou como recurso buscar exemplos dessa representação de forma cronológica, partindo da novela “O feijão e o sonho”, produzida e exibida pela TV Globo em 1976. Baseada no romance de mesmo título, de Orígenes Lessa, a história contrapõe os dois personagens principais como obstinados, ora pelo “feijão de cada dia”, papel da esposa, Maria Rosa, ora pelo “sonho”, perseguido pelo marido, Campos Lara, poeta, escritor, que permanece alheio às dificuldades de sustento e sobrevivência da família.

Outra pérola relembrada por ele foi a série “Os Waltons”, exibida, no Brasil, de 1975 a 1981. Ela relatava a vida e as provações de uma família das montanhas da Virgínia dos anos 1930 e 1940 através da depressão financeira e da Segunda Guerra Mundial, sob o ponto de vista de John Boy, o filho mais velho, aspirante a ser jornalista e novelista. O que mais ficou marcado na memória dos espectadores foi o desfecho padrão de cada episódio, com uma visão noturna da casa, com as luzes das janelas sendo apagadas, menos uma do andar superior, a de John Boy, reforçando uma característica presente na rotina de alguns escritores, que é a de escrever enquanto os outros dormem.

Na continuidade de sua explanação, César cita filmes de terror e suspense, como “O Iluminado”, de Stanley Kubrick e “A Janela Secreta”, ambos baseados em textos de Stephen King. Em meio a perturbações psicológicas e fenômenos paranormais, presentes no primeiro, e ameaças por acusações de plágio, no segundo, vemos escritores abalados e perdidos em suas carreiras literárias.

Acusações de plágio, aliás, são comuns em roteiros de filmes, aparecendo também, por exemplo, em “As palavras”, de 2012, em que um escritor frustrado encontra manuscritos de um livro e os publica como seus, com enorme sucesso e, mais adiante, sendo procurado pelo verdadeiro autor.

“O Escritor Fantasma”, dirigido por Roman Polański, traz uma atividade alternativa de um escritor, que é a de assumir o papel de “Ghostwriter, escrevendo para que outro nome estampe a obra.

A relação do editor com seus autores é relatada na cinebiografia “O mestre dos gênios”, contando a história do editor Max Perkins e seu relacionamento com três grandes gênios da literatura, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Thomas Wolfe. 

O escritor romântico, sonhador, apreciador de épocas passadas, é retratado na fantasia romântica “Meia-noite em Paris”, de Woody Allen.

Em “Ficção Americana”, lançado em 2023, aparece o dilema de um escritor negro, impelido pelo mercado a escrever sobre o universo dos negros, enquanto sua opção original de escrita nada tem a ver com as questões raciais.

Em meio às inúmeras características atribuídas aos amantes da escrita nas telas de TV e do cinema, entende-se que o conflito é necessário para dar vida a essas criações, enquanto que a maioria das histórias de vida dos escritores mortais, em sua rotina diária, muitas vezes banal e sem graça, não renderia um bom roteiro.

*Texto criado com base nas discussões travadas durante o XXV Encontro de Escritores e Leitores, versão on line, pelo Google Meet, em 21/06/2024.

Dicas de novelas, filmes, peças e livros mencionados durante o encontro:

O feijão e o sonho

O Grande Sertão

Os Waltons

O retrato de Dorian Gray

O Iluminado

Bohemian Rhapsody

A Janela Secreta

Elvis

Escritor Fantasma

Priscila

As palavras

Rocketman

O mestre dos Gênios

Back to Black

Meia-noite em Paris

Uivo e outros poemas

Ficção Americana

Virginia

On the road

Os Diários de Virginia Woolf

Na estrada

Nunca te vi, sempre te amei

Versos de um crime

Maestro

Magnífico

Mank

As horas

Shakespeare Apaixonado

O farol

Histórias Cruzadas

Orlando: Uma biografia

Desconhecido

Memórias de um cabo de vassoura

O Carteiro e o Poeta

Relembramentos

A última sessão de Freud

Sociedade dos Poetas Mortos

#escritor #escrita #literatura #televisão #cinema #teatro #cinebiografias


quinta-feira, 30 de maio de 2024

Somos sacrários vivos!

 

    “Somos sacrários vivos!”, disse o padre, durante a homilia de hoje. Corpus Christi é uma data que sempre me comove profundamente. Se alguém quiser experimentar sentir a ação do Espírito Santo, vá a uma celebração como essa. Ainda dá tempo.

    Eu costumo me concentrar em qualquer missa e principalmente na celebração da eucaristia, mas, apenas algumas vezes, muito especiais, tive a real sensação de ser tomada pelo Espírito Santo de Deus. 

Certamente, a primeira de minha longa jornada católica foi em companhia de minha querida mãe Yolanda, ainda na Catedral de Campinas, igreja a qual ela me levava desde pequena.

    Senti também o coração transbordar de emoção em uma rápida missa, olhem só, depois do trabalho e antes de ir para a aula da faculdade, em uma capela lá na Puc Campinas. Ia quase todos os dias, mesmo que chegasse alguns minutos atrasada à sala de aula.

    Com o passar do tempo, a gente começa até a sentir falta dessa sensação, porque acha que se acostumou aos ritos e que eles não mais te tocarão de tal forma. Mas não é verdade. Existem momentos certos em nossa vida para que ele nos toque tão profundamente. Não que as outras missas dominicais não sejam sagradas, longe disso, mas o ápice acontece de tempos em tempos dentro de nós.

    Não vou mencionar todas as vezes aqui, mas darei um salto de muitos anos até chegar a uma ocasião em que meu velho pai, já com Alzheimer, aos 85 anos, me perguntou se poderia comungar, após um jejum eucarístico de muitas décadas. Naquele momento, o Espírito respondeu por mim e ele se dirigiu à fila da comunhão, recebendo o Corpo de Jesus vivo iluminado por ele. É um momento inesquecível de nossas vidas.

    Voltando para hoje, depois de exaltar nosso corpo como sacrário vivo, o padre lembrou que, apesar disso, muitos que se curvam diante da cruz, não o fazem diante dos irmãos, daqueles que estão ao seu lado.

    Essa parte me lembrou duas situações presenciadas que demonstram essa dificuldade do ser humano.

    Certa vez, rezando o terço com fiéis em uma capela longínqua, um andarilho se aproximou de nós e ficou conosco durante toda a reza. Seu fiel companheiro, um cachorro manso e com o semblante tão sofrido quanto o do dono, veio com ele, parecendo entender do que se tratava. No dia seguinte, ao ver o cão na foto tirada naquela noite, o responsável pela capela ordenou que não mais permitíssemos a sua entrada. Que se ele quisesse rezar, tudo bem, mas que deixasse o animal do lado de fora. Atitude correta de um cristão?

    Em outra ocasião, lá do passado, duas garotas vão até Aparecida em um ônibus de uma determinada paróquia. Já haviam ido outras vezes, com devotos animados e engajados em proporcionar uma viagem abençoada, a tão sagrado templo. Mas fazia anos que não iam. Tudo mudara naquele ambiente de fé. 

    Estranharam ao sentir naquele veículo uma atmosfera fria e até um pouco hostil, entre os membros daquela "excursão", estranhamente repleta de ministros da eucaristia e de outras pastorais da igreja. Havia até um seminarista que as surpreendeu logo no início com a seguinte frase: "Sobrou para mim ter de fazer a oração para que tenhamos uma viagem abençoada". Elas não entenderam aquele tom, se era má vontade mesmo ou apenas uma brincadeira infeliz. O fato é que alguns ocupantes até brigaram entre si por causa de acentos e, quando chegaram à basílica, cada um ficou por si, ou no máximo por sua "panela", para circular pelo local e assistir à missa. Nenhuma instrução sobre horários de missas ou de locais para juntar aquele povo de Deus, nada de dicas para um bom almoço, nenhuma foto foi tirada do grupo. Poucas palavras trocadas entre seus membros e um retorno bem caótico.

    Ao terminar a missa de hoje, antes do início da procissão, o padre ainda convidou os presentes para uma romaria à Aparecida, marcada para 21 de setembro. Na verdade, ele não convidou, intimou e fez questão de frisar que não se tratava de uma "excursão" e sim de uma "romaria". Foi aí que entendi a história acontecida com as meninas. Certamente essa será bem diferente, com a graça de Deus e a presença de Jesus.

    Que a Trindade Santa se abrigue em cada coração humano, para que possamos, com a ajuda do corpo de Cristo, resgatar a humanidade!

#CorpusChristi #eucaristia #EspíritoSanto #religião #fé #atitudecristã #romaria

sábado, 20 de abril de 2024

Direitos Autorais e Domínio Público: quando a vontade do autor já não conta mais








    Quando, em janeiro deste ano, toda a obra de Graciliano Ramos caiu em domínio público, imediatamente foi anunciada a publicação de um livro inédito seu, “Os filhos da Coruja”. Trata-se de um poema, manuscrito pelo autor, com pseudônimo de J. Calisto. Pela vontade dele e pela disposição de seus herdeiros, isso jamais aconteceria, pois, o autor de Vidas Secas tinha deixado instruções explícitas para que escritos nessas condições não fossem editados após sua morte.

    Depois que um autor morre, os direitos autorais sobre suas obras passam para seus herdeiros num prazo de 70 anos. Após esse período, de acordo com a legislação brasileira, todo seu acervo cai em “Domínio Público”. Isso significa que a partir daí qualquer pessoa ou empresa pode se utilizar de parte de suas criações ou da totalidade delas para fazer o que quiser, republicar, transformar a escrita para teatro ou audiovisual, tomar como base ou fonte de inspiração para novas criações etc. Há uma grande liberdade a partir daí para se utilizar todo material que estiver disponível da forma que convier a cada um.

    Há todo um projeto em curso, liderado pela Companhia das Letras, com um pesquisador convidado a prospectar obras inéditas de Graciliano Ramos, morto em 1953, que possam ser publicadas, desconsiderando a vontade do escritor, levando-se em conta apenas o grande interesse público pelos escritos de um dos maiores autores da literatura brasileira.

    A lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1988, que regula os direitos autorais no Brasil, protege os direitos dos autores de obras literárias, artísticas e científicas. Ela assegura a eles o direito de controlar a forma como suas obras são usadas ou divulgadas. Também garante o direito de receber uma compensação pelo uso de seu trabalho.

    Ainda em vida, qualquer escritor que ceda os direitos de uma obra para uma editora, deverá fazer isso através de um contrato com prazo determinado ou definitivo, parcial ou total. Pode, por exemplo, ser de 3 ou de 5 anos. Nesse caso, depois disso, os direitos retornam para o autor, se for essa a sua vontade.

    A tendência inicial de um autor é de que ele queira ter direito total sobre sua criação, que tenha o domínio sobre suas obras, que possa fazer com que chegue a seu público da forma que quiser, sendo remunerado por isso ou não, de acordo com sua expressa vontade. Esse direito já começa a ser exercido logo que ele opta por determinada linguagem ou gênero, seja ela escrita, encenada, filmada etc.

    Há muitos que já escrevem um livro imaginando sua obra sendo transformada em filme ou série. No caso dos poetas, imaginam um poema seu sendo musicado. Normalmente o escritor participa do processo de roteirização de sua obra para o palco de um teatro, ou para as telas do cinema, televisão ou serviço de streaming, compatíveis com diversas formas de transmissão digitais.

    Um caso que vem na contramão dessa tendência é o de Gabriel García Márquez que, embora fosse um incentivador de criações audiovisuais, sempre recusou propostas de transformar uma de suas maiores criações, “Cem anos de Solidão”, em filme. Ele dizia querer se comunicar diretamente com os leitores através das letras, que assim poderiam criar os personagens em sua mente como quisessem, sem que a imagem de qualquer ator lhes fosse imposta.

    Ainda que não tenham caído em domínio público, os próprios herdeiros de Gabo desconsideraram sua opinião a esse respeito e venderam os direitos do livro para a NetFlix. O filme já tem trailer disponível e está para estrear em breve na plataforma.

    Uma segunda determinação do autor colombiano também foi descumprida pelos detentores atuais de seus direitos, no mês passado, quando foi publicado o romance “Em agosto nos vemos”, obra inédita que ele havia dito que “não prestava” e que “deveria ser destruída”. Alegando que ele havia sido muito severo em sua avaliação sobre o livro, os herdeiros novamente o contrariaram “em nome do prazer dos leitores”. Quando se consulta o título na plataforma da Amazon, após uma breve sinopse, aparece a seguinte frase: “Um presente inesperado do Prêmio Nobel de Literatura para o mundo”. Se foi contra a sua vontade, não foi um presente dele e sim de seus herdeiros.

    Como leitores podemos comemorar que o editor de Franz Kafka não tenha levado a sério sua determinação expressa de queimar seus manuscritos após sua morte. Do contrário, nós nunca teríamos tido a oportunidade de ler “O processo”, “O Castelo” e “Carta ao Pai”. Teria sido uma jogada de marketing póstuma? Nunca saberemos.

    A verdade é que sempre que estamos na posição de leitores e não de escritores, torcemos para que qualquer trabalho inédito de um autor que admiramos, e que já não está mais entre nós, seja publicado, para que possamos ter acesso a ele novamente. Além disso, cada vez que se traz uma obra do passado com uma nova linguagem, um novo formato, uma “cara nova”, levamos esse rico conteúdo a jovens, a pessoas que provavelmente nem tiveram a oportunidade de conhecer o autor e ou sequer saibam quão grandioso ele foi.

    Numa análise mais profunda, chegamos à conclusão que a partir do momento que uma obra é criada e exposta, seu autor não perde imediatamente os direitos autorais, mas perde o controle sobre o que ele produziu. Algo similar ao que acontece com nossos filhos, que criamos para o mundo.

    Tanto “Os filhos da Coruja” como “Em agosto nos vemos” já estão em minha lista para aquisição em breve, bem como não vejo a hora de assistir na NetFlix à versão nas telas de meu livro predileto, “Cem anos de solidão”. Graciliano Ramos e Gabriel García Márquez que me perdoem de onde estiverem. Meu desejo de conhece-las é, em primeiro lugar, em nome da profunda admiração que sinto por eles.

Dicas de artes comentadas durante o bate-papo:

Livros: Os filhos da Coruja – Graciliano Ramos; Em agosto nos vemos – Gabriel García Márquez; O processo, O Castelo e Carta ao Pai – Franz Kafka; Dom Casmurro – Machado de Assis

Filmes:

Adaptações de peças de Shakespeare para o cinema feitas por Kenneth Branagh (A primeira foi Henry V - 1989, seguida de Much Ado About Nothing - 1993, Hamlet - 1996, Love's Labour Lost - 2000 e As You Like It - 2006).

#livros

#literatura

#arte

#audio-visual

#direitosautorais

#domíniopúblico

Obs.: Texto criado com base em bate-papo por ocasião do XXIV Encontro de Escritores e Leitores, acontecido em 19/04/2024, no CME Adamastor.

terça-feira, 5 de março de 2024

IA... até onde pode ir na Literatura e nas demais Artes?

    


    Embora a IA seja uma tecnologia relativamente recente em termos de aprimoramento e utilização prática em maior escala, essa pauta já vem sendo discutida há muito tempo, pensando-se na tecnologia como algo que provoca desemprego em vários ramos, inclusive nas artes. Imaginemos o que aconteceu com os escribas e copistas da idade média, quando a quantidade de volumes de um livro publicado dependia da mão humana para ser multiplicada. Após a invenção da imprensa, todos ficaram desempregados.

    Tal qual o cinema, que usa uma câmera e produz 24 fotogramas por segundo para, através da sua justaposição, provocar a ilusão do movimento, da mesma forma acontece com as animações. Até um passado bem recente esses desenhos eram feitos a mão. Imaginemos quantos desenhistas eram necessários para fazer essas tantas imagens e quantos deles devem ter sido dispensados a partir da chegada do computador.

    Portanto, as atividades artísticas sempre foram atropeladas pelo uso da tecnologia. Filmes do século XX precisavam de muitos figurantes para gravar uma cena que demandava um grande número de pessoas, como o funeral do Gandhi, por exemplo, gravado em 1982, que utilizou 300 mil pessoas fazendo figuração. Em 1995, menos de 10 anos depois, Mel Gibson lançou o filme Coração Valente e utilizou 1500 soldados do governo Irlandês para figurar nas cenas de batalhas, que, já através da computação gráfica, se transformaram em milhões.

    Na música, na década de 1960, foi lançado o sintetizador Moog, que pode emular sons de vários instrumentos e começou a haver manifestações dos sindicatos dos músicos para que não se usasse esse recurso nas gravações de discos. Mas isso seria nadar contra a corrente, pois, também havia sons eletrônicos que uma orquestra não produziria. A primeira banda de rock a usar o Moog foram Os Monkees em 1967. E na esteira deles, várias outras entraram, como os Beatles, The Who, Pink Floyd. Músicos como Paul McCartney começaram a gravar seus discos em estúdio, sozinhos, utilizando o teclado e deixando de empregar uma série de músicos.

    O passado parece se repetir, pois, em 2023 aconteceu uma greve de roteiristas em Hollywood para impedir que os roteiros fossem escritos por inteligência artificial.

    Mas o uso da tecnologia não é um problema em si, só se torna problemático quando esbarra em questões éticas. Quando se forja um vídeo com uma pessoa fazendo ou dizendo algo que a incrimine e o apresenta como verdade, as consequências podem ser avassaladoras. Já se fala em criar uma canção “inédita” feita por John Lennon, Kurt Cobain, mas será que a IA consegue de fato “fazer” uma nova canção, ou simplesmente estabelecer alguns padrões e reciclar partes de suas obras, criando um boneco de Frankenstein? Da mesma forma, já se tem a intenção de lançar um “novo” livro da Agatha Christie.

    Copiar, plagiar, fazer suas as palavras de outro não é exatamente uma coisa nova na humanidade. A inteligência artificial só nos trouxe, nesses casos, uma nova forma de plagio.

    Por outro lado, com a Inteligência Artificial foi possível recuperar uma música inédita de John Lennon que estava em fita K7, consequentemente em baixa qualidade para os padrões atuais, e incluí-la em uma faixa inédita lançada ano passado chamada Now and Them. Papirus encontrados numa cidade da Roma antiga, Herculano, destruída pelo vulcão Vesúvio, foram recentemente resgatados, escaneados e decifrados através de inteligência artificial, pois seu estado impossibilitava que fossem manuseados.

    A verdade é que estamos bem no início ainda de todo esse processo de IA. Não sabemos ainda para onde vai.

    Tivemos recentemente um prêmio Jabuti sendo retirado de ilustrações de uma nova edição de Frankenstein por ter sido constatado o uso de IA pelo designer. O autor se defendeu dizendo que já era comum esse uso por ilustradores. A questão é até onde podemos considerar a IA uma ferramenta cujo uso não ultrapasse os limites da razoabilidade, não interfira na criatividade de quem a usa. Quais seriam esses limites? A IA pode dar uma ideia para um escritor, que posteriormente desenvolvendo sua obra a partir dela a terá como coautora de sua criação.

   No cinema há como gravar apenas uma vez o ator simulando várias expressões e, com esse material, a IA vai colocando a expressão necessária para determinada cena, eliminando a necessidade de que o ator atue e grave cada cena individualmente.

    Devemos ver a IA como uma ferramenta para elaborar ainda mais nossa produção criativa. Para a IA funcionar há necessidade de um direcionamento humano. Precisa haver uma excelência para se dar os comandos. Quando não há a execução criativa humana, apenas a extração de conteúdo de uma máquina, falta ironia nos textos poéticos, falta a questão das entrelinhas, do não dito, das coisas mais subjetivas que o autor extrai de si e coloca em sua obra. Quem analisou as criações literárias da IA diz que o que falta exatamente é o elemento humano. Daria para perceber que não é uma pessoa que escreveu. Há um estado de arte dentro do tecnológico, mas o autor pode carregar a sua sensibilidade, desde que haja um equilíbrio.

    A inteligência artificial não é inteligente. O sublime da arte está na criatividade humana. Vamos ser mais criativos! Tecnologia como instrumento, nós no comando!

Dicas de filmes que surgiram durante as discussões:

Ela

Encontros e desencontros

Bom dia, Vietnam

Trumbo

Spartacus

Blade Runner

O Homem Bicentenário

O Carteiro e o Poeta

Um robô em curto circuito

Grandes olhos

Get back beatles (documentário)

 

Obs.: Texto criado a partir das discussões em torno do tema no XXIII Encontro de Escritores e Leitores, que aconteceu on line, pelo Google Meet em 16/02/2024.

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#tecnologia

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domingo, 26 de novembro de 2023

Revisionismos: O valor de cada tempo

 

Partindo-se do princípio de que revisionismo é o ato de reanalisar algo do passado, de forma a interpretá-lo com princípios atuais, alguns têm a opinião de que, quando falamos de obra literária, de obra de arte, esse ato não faria nenhum sentindo.

A obra de arte é e sempre deverá ser o que era quando foi criada. Não é para preservar a sua autenticidade que se procura proteger um quadro, uma escultura, da ação do tempo, mantendo-os em locais em que sofram o mínimo possível de ataque ou interferência externa? Ou então, quando a obra sofre algum dano ou desgaste, faz-se um esforço para restaurá-la, para que fique nas mesmas condições e aparência originais? Tudo para se preservar a obra.

Talvez o único que possa “revisá-la” seja seu autor, apesar de que, após muito tempo ter se passado desde a criação, represente lançar um novo olhar para ela e uma consequente transformação. Nesse caso, talvez ela esteja sendo destruída e servindo como matéria-prima para um novo produto.

Não há porque se substituir palavras na obra de Monteiro Lobato, ou mesmo “cancelar” um livro seu, por ter sido usada, na época da escrita, palavra que atualmente não é considerada politicamente correta. O melhor não seria utilizar notas de rodapé para explicar os termos e períodos de sua criação, destacando-se as divergências em relação à época atual?

O tempo muda padrões, subverte ordens, desmistifica conceitos, condena atos do passado, cria novas regras e estabelece novos valores. O que é beleza hoje para nós, não era, por exemplo, na era do renascimento. Dizem que no século XVII, ter os dentes cariados era símbolo de status, porque significava acesso ao açúcar, produto caro e escasso na época. Algo semelhante, mas no sentido inverso, acontecia com o bronzeamento. Ter a pele queimada do sol significava trabalho de campo e a pele alva, nobreza e status superior. Atualmente cultua-se a pele bronzeada, de forma saudável.

Com o surgimento da fotografia, houve uma mudança de padrão nas artes plásticas, especialmente na pintura, que passa a não ser mais utilizada para registrar a realidade, e a ser mais uma expressão da realidade, que pode até ser distorcida para se criar um efeito visual interessante e até mais valoroso. Um dos exemplos dessa mudança foi o impressionismo, que saindo daquela cultura mais acadêmica, foi ridicularizado na época, mas que com o passar do tempo, foi adquirindo grande valor. Vemos isso com as obras de Monet ou do pós-impressionista Van Gogh, que não vendeu um quadro em vida, mas que atualmente têm valor inestimável. Após a morte de Shakespeare, sua obra caiu no esquecimento, só vindo a ser recuperada já nos séculos XIX e XX. Tudo isso acontece porque a sociedade vai se revisando.

Vivemos na época do cancelamento, que acontece muitas vezes com obras, artistas, que viveram num tempo diferente do nosso. O mesmo acontece com personagens da história. Um caso recente foi o fogo ateado em uma estátua do Borba Gato, um bandeirante, cuja atuação atualmente está associada à exploração e não ao desbravamento, como anteriormente. Mas atear fogo seria o melhor caminho? Além de ser uma atitude que remete ao período de inquisição, não estaríamos querendo apagá-lo da história, privando gerações futuras de conhecer nosso passado? Não seria o caso de apenas mudar a sua localização para um museu, que trouxesse detalhes do tempo e de sua ação na história do país?

Na educação, em sala de aula, não é negável que o uso de obras que contenham palavras e expressões que não sejam atualmente aceitas, deve ser feito com muito cuidado e atenção. Explicar detalhadamente o contexto de sua criação se faz necessário, para que os mais novos entendam e conheçam realidades distintas.

Vivemos também uma política de cancelamento de caráter ideológico, em que ao mesmo tempo um lado incendeia uma estátua e o outro condena, por exemplo, os escritos de Paulo Freire, autor que, aliás, foi revisor de sua própria obra. Sempre que se procura cancelar algo por ideologia, com alguma razão ou não, estaremos agindo de maneira contrária aos preceitos democráticos.

Cada coisa no seu tempo. Que toda obra seja preservada e contextualizada!

“O passado é lição para se meditar, não para se reproduzir” (Mário de Andrade, poeta e crítico literário brasileiro).

*O texto acima foi criado com base no que foi discutido no XXII Encontro de Escritores e Leitores, cujo tema foi Revisionismos: O valor de cada tempo. Em 24/11/2023, no espaço de eventos do Alameda Café, Guarulhos/SP.

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