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Balada: a arte da narrativa em poemas e canções

 


    O nome Balada vem de uma tradição francesa, na era medieval, e o significado do termo tem  mesmo relação com o ato de bailar. Mais tarde se torna muito popular na Inglaterra e na Irlanda também. É uma cultura oral em que o poeta está em ato se  apresentando para uma plateia.  Por isso  estão  presentes  os elementos  teatrais. Ele faz todas  as inflexões de voz,  molda seu gestual,  tudo para a  história  que está contando. Muitas  vezes é acompanhado de um alaúde ou outro instrumento musical. Uma poesia muito próxima do espírito da  canção. Portanto, a balada está  muito ligada às próprias  origens do teatro. Uma origem muito performática, muito musical. E a balada tinha essa característica muito própria  –  era uma contadora de histórias, uma narrativa em versos.

    Justamente por ser uma cultura baseada na oralidade, poucos nomes de compositores de balada chegaram até nós. Muita coisa ficava na boca do cantador, que podia estar circulando de um lugar para o outro, cantando versos que não eram dele, que aprendeu de ouvir, aprendeu em um lugar e vai cantar em outro. Além disso, como as coisas não eram escritas, muito se modificou, muito se perdeu.

    Quando surge a imprensa, a poesia passa muito mais para o universo escrito e vai deixando de ser essa poesia em ato, teatral. Aí a balada começa a ficar burocrática. Criaram-se uma série de regras para se fazer uma Balada. Uma delas é que esse gênero teria três estrofes de oito versos e uma última estrofe de quatro versos. A rima deveria ser “ababbcbc”. Por isso, a balada ficou engessada durante muito tempo.

    Até que surge o modernismo do século XX, que recuperou muito do que era a balada da era medieval. Expressada de maneira mais solta, mais interessada na narrativa, em contar a história, sem ficar presa a regras. Uma das propostas do modernismo foi exatamente essa, desengessar a arte. Romper com muitas barreiras, muitos limites, muito academicismo.

    Entretanto, atualmente, a poesia ainda chega à sociedade como uma atividade de escritor, intelectual, acadêmica, ligada à escrita publicada, ao livro impresso, embora, como já foi dito, tenha origem na tradição oral.

  Ainda assim, podemos encontrar exemplos de baladas, tanto de compositores nacionais, como internacionais. Na música ou na poesia.

   Na canção popular, podemos citar Geni e o Zepelim, de Chico Buarque. Quem a ouve percebe que é uma história que está sendo contada, com todos os elementos teatrais, personagens que vão surgindo, diálogos que vão acontecendo e tudo isso vai se somando como que em uma pequena peça dramática. Numa cidade moralista em que as pessoas apontavam o dedo condenando Geni por seu comportamento livre em relação ao sexo, a partir do momento em que ela se torna uma figura que representa a salvação, passa a ser aclamada como bendita, mostrando a hipocrisia dessa sociedade. A canção foi composta por Chico para a peça Ópera do Malandro e agora está para virar filme.

    Outro exemplo, vindo do exterior, é Eleanor Rigby. A canção dos Beatles conta a história de uma moça solitária, que fica em uma igreja apanhando grãos de arroz, onde um casamento já aconteceu. Fica muitas vezes também em casa ensaiando rostos e caras que vai fazer para uma visita que nunca recebe. Como o refrão fala de todos os solitários, o padre também é apresentando como um personagem solitário, que escreve sermões, que ninguém vai ouvir, que fica serzindo suas meias, apesar de ninguém reparar. Eleanor morre, então, e a única pessoa que está lá para fazer seu funeral é o padre. Ao final, ele sai, limpando as mãos da sujeira. Há nessa canção muita narrativa, em poucos versos, muito sentimento de solidão dos personagens.

    Como exemplo de balada na literatura, podemos citar a Serra do Rola Moça, de Mario de Andrade. Ao contrário da poesia épica, das epopeias, que contam histórias de heróis, de deuses, as gestas de heróis em batalhas, a balada conta histórias de gente comum, com suas vidas cotidianas. Nesse caso, são dois noivos, um casal sem nome, pessoas comuns, que cavalgam felizes por um caminho, seguindo sem perceber para um final trágico.

    Um grande compositor de baladas atual que podemos citar é Bob Dylan. Ele compôs uma balada que ficou anos no Guinness Book of Records como a mais longa já composta e que só veio a ser desbancada por outra brasileira: Faroeste Caboclo, da Legião Urbana. A canção de Dylan é Hurricane, que relata a prisão injusta do boxeador Rubin "Hurricane" Carter, condenado por um crime que não cometeu e denuncia o racismo e a corrupção no sistema judiciário americano. O filme feito com o mesmo tema Hurricane - O Furacão estreou em 1999 para contar, em imagens, a história cantada por Dylan.

    Sobre Renato Russo, vale dizer que, além de Faroeste Caboclo, ele compôs, para a Legião Urbana, Eduardo e Mônica.

    Na nossa tradicional Música Caipira, temos baladas como O Menino da Porteira, de Luizinho e Teddy Vieira, interpretada por Sérgio Reis, e Chico Mineiro, de Tonico e Francisco Ribeiro, classificadas, também, como modas de viola.


Dicas de baladas para ouvir/assistir:

https://www.youtube.com/watch?v=L-rD4jASyeE      (Geni e o Zepelim)

https://www.youtube.com/watch?v=w-5zWfSINjc      (Eleanor Rigby)  

https://www.youtube.com/watch?v=0mQfX4xkRLc    (A Serra do Rola Moça)

https://www.youtube.com/watch?v=bpZvg_FjL3Q       (Hurricane)

https://www.youtube.com/watch?v=eL6zdEwRKws    (Faroeste Caboclo)

https://www.youtube.com/watch?v=bsutUab2fkI         (Eduardo e Mônica)

https://www.youtube.com/watch?v=iL9IVJmlKQg      (O menino da porteira)

https://www.youtube.com/watch?v=oSADrBSfKl0      (Chico Mineiro)

 

Hurricane - O Furacão - filme de 1999


Livros: “A Letra e a Voz”, de Paul Zumthor

            “Mais Provençais”, de Augusto de Campos

 

Obs.: Texto elaborado a partir do que foi discutido no 30º Encontro de Escritores e Leitores, dia 25/04/2025 no CME Adamastor.

#balada #poesia #música #literatura #encontrosliterários


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