Pular para o conteúdo principal

O direito humano de entrar no céu


Recém-chegado às portas do céu, o homem é orientado a se dirigir à fila de triagem. À sua frente há apenas uma pessoa. Para tentar entender como funciona, ele puxa conversa:

__Ei, amigo, sabe se demora o atendimento aí?

__Ah não, senhor, não demora nada. Já percebi que aqui tudo funciona muito bem. As pessoas são tratadas com muito respeito, independentemente de como tenham se comportado lá na terra. Assim que nos chamam, nós entramos lá e o encarregado vai consultar a nossa ficha. Se estiver tudo certo, entramos direto. Se voltarmos pra cá é porque não fomos aprovados de primeira. Então, teremos que nos dirigir àquela outra porta ali, bem à direita. Aquela é a sala de provas.

__Ah, tá. À da direita, né? Ainda bem. Se fosse à esquerda, aí ia complicar. Detesto a esquerda!

__O senhor tem um porte de soldado. Foi militar?

__Ah, eu, sim, fui capitão. Tive uma carreira brilhante lá no exército. Todo mundo me adorava. Sai porque recebi um chamado pra carreira política. Sabe como é salário melhor, mais oportunidades, né? Além disso, passei a ter muito mais liberdade pra expor as minhas ideias, coisa e tal. Deu certo, viu? Sete anos depois eu cheguei à presidência da república!

__É mesmo? Eu era da marinha dos Estados Unidos. O senhor era presidente de que país?

__Do Brasil, “porra”! Não tá me reconhecendo? Eu era amigão do Trump.

__Ao ouvir isso, o outro fica um pouco assustado, mas pergunta:

__Do que foi mesmo que o senhor morreu?

__Cê acredita que foi de outra facada? Pô, da primeira vez tinha sido tudo tranquilo, tudo certo. O meu camarada Adélio tinha me esfaqueado, mas com todo o cuidado, sabe? Sem machucar muito. Devo a minha vitória nas eleições a ele. Cara bom, viu?! Mas aí, as coisas foram se complicando, fui caindo nas pesquisas, o pessoal da esquerda me acusando de um monte de coisas, a imprensa falando mal de mim o tempo todo, sabe como é? Aí meus assessores contrataram outro cara pra dar outra facadinha. Mas era pra ser bem de leve, né? Tudo esquematizado, tá okey? Só que eu acho que colocaram um “paraíba” no lugar, “porra”! Só pode ser! O cara veio com uma peixeira e fez esse estrago aqui, ó. A situação ficou pior ainda porque eu só tava fazendo o número “2” dias sim, dia não, né?, Como medida pra agradar aqueles ambientalistas “filhos da puta”. Daí infeccionou tudo, né? Agora to eu aqui, nessa fila. Espero que não demore muito pra me receberem no céu, “caralho”!

Nesse momento, o painel chama a senha do marinheiro norte-americano.

Pouco depois, ele já vê a chamada de sua senha no painel, sinal de que o cara já havia sido recebido de primeira. Isso já o deixa mais tranquilo. De certo seria assim com ele também.

__Por favor, sente-se, diz o anjo, enquanto analisa atentamente um relatório na tela do computador. Lentamente ele vai passando as telas, fazendo algumas anotações, sem dizer nada, até que ao final:

__ Infelizmente o senhor não vai poder ser admitido no céu por causa de seu comportamento na terra. Mas não se preocupe. Aqui todos têm uma nova chance. O senhor terá de fazer uma prova. São algumas perguntas que o senhor terá de responder com toda a sinceridade. Basta que acerte 70% das perguntas para ser aprovado e passar para a próxima fase.

__Como posso não ter sido recebido no céu de primeira, pô? No meu governo eu coloquei o “cara daí” acima de tudo, “porra”!

Orientado a sair e entrar na porta das provas, ele se dirige para lá, um pouco contrariado.

Um novo anjo pede a ele que se sente.

__Vamos às perguntas. Vejo que o senhor parece um pouco confuso, mas creio que através delas o senhor poderá entender o motivo pelo qual não foi admitido de primeira.

__A primeira pergunta é muito fácil. Tenho certeza que o senhor irá acertar. O que são “Direitos Humanos”?

__Ah, essa tá fácil mesmo! São aqueles caras que ficam lá defendo bandido, claro.

__Infelizmente o senhor errou. Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.

__”Puta que o pariu”, mas lá no Brasil era assim, “porra”! Eles só defendiam bandido. E bandido tem é que morrer, né?

__Vamos à segunda pergunta: O senhor acha que Jesus aprovou a invenção da arma de fogo pelo homem?

__É óbvio que sim! Se ele estivesse armado, poderia ter reagido quando os caras estavam levando ele pra cruz. Ele não teria sido crucificado, pô! Ainda mais, sairia bem na fita e poderia até ter se candidato a um cargo público.

__O senhor errou de novo. Jesus nunca foi a favor da violência. Além disso, quando estava para ser preso, ordenou a um dos homens que estava com uma espada, a guardá-la na bainha. Em vez disso, ele aceitou que se cumprissem as escrituras.

Sem permitir que ele se manifestasse novamente, o anjo faz a terceira pergunta.

__No seu governo, o senhor permitiu e estimulou a polícia a sair atirando como política de segurança. O que o senhor tem a dizer a respeito dos inocentes que morreram durante essas investidas, jovens, trabalhadores, crianças?

__Um inocente ou outro morre mesmo, tudo bem. Tudo quanto é guerra morre inocente.

Nisso o anjo faz um sinal para dois caras mal encarados que estavam na porta e diz com ar entristecido:

__Vocês podem levá-lo.

O homem segue à frente dos dois e começa a reclamar.

__Está meio quente aqui, não?

Ao avistar um imenso clarão, ele grita:

__Os caras das ONGs botaram fogo na mata até aqui? “Caralho”! Mourão! Vem me tirar daqui, “pombas”!

#EsseFuturoNão! #políticadearmamento #políticadesegurança #queimadasnaamazonia #direitoshumanos #mortedeinocentes

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O bom samaritano

“Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe arrancaram tudo e o espancaram. Depois foram embora e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele caminho; quando viu o homem, passou adiante, pelo outro lado. O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu e passou adiante pelo outro lado. Mas um samaritano que estava viajando, chegou perto dele, viu e teve compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal, e o levou a uma pensão, onde cuidou dele” . Lucas 10,30-34. Um gay ia caminhando pela avenida Paulista, quando foi abordado e espancado por uma gang de SkinHeads. Depois que ele estava desacordado de tanto apanhar, foram embora e o deixaram ali, quase morrendo. Um pastor que passava pela mesma calçada, viu e o ignorou, seguindo adiante, a caminho do culto. Um político também passou e desviou do caminho. Afinal, nem era época de el...

O século XX nas páginas do século XXI

            A polarização da literatura no século em que vivemos, a sua diluição entre tantos canais que a evolução tecnológica nos propicia, além do fato de ela estar sendo produzida por um número muito maior de pessoas em todo o mundo, pode ser o motivo pelo qual não tenha se formado ainda uma corrente literária atual, nova, genuína do século XXI.        Se no século XX tivemos movimentos como o Cubismo, o Futurismo, O Expressionismo, o Manifesto Dadaísta, o Surrealismo, o Modernismo, entre outros. Que rótulo teríamos hoje para o que está sendo produzido?             Na verdade, o que vivemos talvez seja uma assimilação de tudo o que surgiu no século passado, muito mais do que uma nova criação, uma degustação com uma releitura do que existia, com nosso olhar, a partir de diferentes vozes e de minorias ou de grupos maiores que, porém, nunca tiv...

Balada: a arte da narrativa em poemas e canções

       O nome Balada vem de uma tradição francesa, na era medieval, e o significado do termo tem  mesmo relação com o ato de bailar. Mais tarde se torna muito popular na Inglaterra e na Irlanda também. É uma cultura oral em que o poeta está em ato se  apresentando para uma plateia.  Por isso  estão  presentes  os elementos  teatrais. Ele faz todas  as inflexões de voz,  molda seu gestual,  tudo para a  história  que está contando. Muitas  vezes é acompanhado de um alaúde ou outro instrumento musical. Uma poesia muito próxima do espírito da  canção. Portanto, a balada está  muito ligada às próprias  origens do teatro. Uma origem muito performática, muito musical. E a balada tinha essa característica muito própria  –  era uma contadora de histórias, uma narrativa em versos.      Justamente por ser uma cultura baseada na oralidade, poucos nomes de compositores de b...