quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O direito humano de entrar no céu


Recém-chegado às portas do céu, o homem é orientado a se dirigir à fila de triagem. À sua frente há apenas uma pessoa. Para tentar entender como funciona, ele puxa conversa:

__Ei, amigo, sabe se demora o atendimento aí?

__Ah não, senhor, não demora nada. Já percebi que aqui tudo funciona muito bem. As pessoas são tratadas com muito respeito, independentemente de como tenham se comportado lá na terra. Assim que nos chamam, nós entramos lá e o encarregado vai consultar a nossa ficha. Se estiver tudo certo, entramos direto. Se voltarmos pra cá é porque não fomos aprovados de primeira. Então, teremos que nos dirigir àquela outra porta ali, bem à direita. Aquela é a sala de provas.

__Ah, tá. À da direita, né? Ainda bem. Se fosse à esquerda, aí ia complicar. Detesto a esquerda!

__O senhor tem um porte de soldado. Foi militar?

__Ah, eu, sim, fui capitão. Tive uma carreira brilhante lá no exército. Todo mundo me adorava. Sai porque recebi um chamado pra carreira política. Sabe como é salário melhor, mais oportunidades, né? Além disso, passei a ter muito mais liberdade pra expor as minhas ideias, coisa e tal. Deu certo, viu? Sete anos depois eu cheguei à presidência da república!

__É mesmo? Eu era da marinha dos Estados Unidos. O senhor era presidente de que país?

__Do Brasil, “porra”! Não tá me reconhecendo? Eu era amigão do Trump.

__Ao ouvir isso, o outro fica um pouco assustado, mas pergunta:

__Do que foi mesmo que o senhor morreu?

__Cê acredita que foi de outra facada? Pô, da primeira vez tinha sido tudo tranquilo, tudo certo. O meu camarada Adélio tinha me esfaqueado, mas com todo o cuidado, sabe? Sem machucar muito. Devo a minha vitória nas eleições a ele. Cara bom, viu?! Mas aí, as coisas foram se complicando, fui caindo nas pesquisas, o pessoal da esquerda me acusando de um monte de coisas, a imprensa falando mal de mim o tempo todo, sabe como é? Aí meus assessores contrataram outro cara pra dar outra facadinha. Mas era pra ser bem de leve, né? Tudo esquematizado, tá okey? Só que eu acho que colocaram um “paraíba” no lugar, “porra”! Só pode ser! O cara veio com uma peixeira e fez esse estrago aqui, ó. A situação ficou pior ainda porque eu só tava fazendo o número “2” dias sim, dia não, né?, Como medida pra agradar aqueles ambientalistas “filhos da puta”. Daí infeccionou tudo, né? Agora to eu aqui, nessa fila. Espero que não demore muito pra me receberem no céu, “caralho”!

Nesse momento, o painel chama a senha do marinheiro norte-americano.

Pouco depois, ele já vê a chamada de sua senha no painel, sinal de que o cara já havia sido recebido de primeira. Isso já o deixa mais tranquilo. De certo seria assim com ele também.

__Por favor, sente-se, diz o anjo, enquanto analisa atentamente um relatório na tela do computador. Lentamente ele vai passando as telas, fazendo algumas anotações, sem dizer nada, até que ao final:

__ Infelizmente o senhor não vai poder ser admitido no céu por causa de seu comportamento na terra. Mas não se preocupe. Aqui todos têm uma nova chance. O senhor terá de fazer uma prova. São algumas perguntas que o senhor terá de responder com toda a sinceridade. Basta que acerte 70% das perguntas para ser aprovado e passar para a próxima fase.

__Como posso não ter sido recebido no céu de primeira, pô? No meu governo eu coloquei o “cara daí” acima de tudo, “porra”!

Orientado a sair e entrar na porta das provas, ele se dirige para lá, um pouco contrariado.

Um novo anjo pede a ele que se sente.

__Vamos às perguntas. Vejo que o senhor parece um pouco confuso, mas creio que através delas o senhor poderá entender o motivo pelo qual não foi admitido de primeira.

__A primeira pergunta é muito fácil. Tenho certeza que o senhor irá acertar. O que são “Direitos Humanos”?

__Ah, essa tá fácil mesmo! São aqueles caras que ficam lá defendo bandido, claro.

__Infelizmente o senhor errou. Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.

__”Puta que o pariu”, mas lá no Brasil era assim, “porra”! Eles só defendiam bandido. E bandido tem é que morrer, né?

__Vamos à segunda pergunta: O senhor acha que Jesus aprovou a invenção da arma de fogo pelo homem?

__É óbvio que sim! Se ele estivesse armado, poderia ter reagido quando os caras estavam levando ele pra cruz. Ele não teria sido crucificado, pô! Ainda mais, sairia bem na fita e poderia até ter se candidato a um cargo público.

__O senhor errou de novo. Jesus nunca foi a favor da violência. Além disso, quando estava para ser preso, ordenou a um dos homens que estava com uma espada, a guardá-la na bainha. Em vez disso, ele aceitou que se cumprissem as escrituras.

Sem permitir que ele se manifestasse novamente, o anjo faz a terceira pergunta.

__No seu governo, o senhor permitiu e estimulou a polícia a sair atirando como política de segurança. O que o senhor tem a dizer a respeito dos inocentes que morreram durante essas investidas, jovens, trabalhadores, crianças?

__Um inocente ou outro morre mesmo, tudo bem. Tudo quanto é guerra morre inocente.

Nisso o anjo faz um sinal para dois caras mal encarados que estavam na porta e diz com ar entristecido:

__Vocês podem levá-lo.

O homem segue à frente dos dois e começa a reclamar.

__Está meio quente aqui, não?

Ao avistar um imenso clarão, ele grita:

__Os caras das ONGs botaram fogo na mata até aqui? “Caralho”! Mourão! Vem me tirar daqui, “pombas”!

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