Embora a IA seja uma tecnologia relativamente recente em termos de aprimoramento e utilização prática em maior escala, essa pauta já vem sendo discutida há muito tempo, pensando-se na tecnologia como algo que provoca desemprego em vários ramos, inclusive nas artes. Imaginemos o que aconteceu com os escribas e copistas da idade média, quando a quantidade de volumes de um livro publicado dependia da mão humana para ser multiplicada. Após a invenção da imprensa, todos ficaram desempregados.
Tal qual
o cinema, que usa uma câmera e produz 24 fotogramas por segundo para, através
da sua justaposição, provocar a ilusão do movimento, da mesma forma acontece
com as animações. Até um passado bem recente esses desenhos eram feitos a mão. Imaginemos
quantos desenhistas eram necessários para fazer essas tantas imagens e quantos
deles devem ter sido dispensados a partir da chegada do computador.
Portanto,
as atividades artísticas sempre foram atropeladas pelo uso da tecnologia.
Filmes do século XX precisavam de muitos figurantes para gravar uma cena que
demandava um grande número de pessoas, como o funeral do Gandhi, por exemplo,
gravado em 1982, que utilizou 300 mil pessoas fazendo figuração. Em 1995, menos
de 10 anos depois, Mel Gibson lançou o filme Coração Valente e utilizou 1500
soldados do governo Irlandês para figurar nas cenas de batalhas, que, já
através da computação gráfica, se transformaram em milhões.
Na
música, na década de 1960, foi lançado o sintetizador Moog, que pode emular sons
de vários instrumentos e começou a haver manifestações dos sindicatos dos
músicos para que não se usasse esse recurso nas gravações de discos. Mas isso
seria nadar contra a corrente, pois, também havia sons eletrônicos que uma
orquestra não produziria. A primeira banda de rock a usar o Moog foram Os Monkees
em 1967. E na esteira deles, várias outras entraram, como os Beatles, The Who,
Pink Floyd. Músicos como Paul McCartney começaram a gravar seus discos em
estúdio, sozinhos, utilizando o teclado e deixando de empregar uma série de
músicos.
O passado parece se repetir, pois, em 2023 aconteceu uma greve de roteiristas em Hollywood para impedir que os
roteiros fossem escritos por inteligência artificial.
Mas o uso da tecnologia não é um problema em si, só se torna problemático quando esbarra em questões éticas. Quando se forja um vídeo com uma pessoa fazendo ou dizendo algo que a incrimine e o apresenta como verdade, as consequências podem ser avassaladoras. Já se fala em criar uma canção “inédita” feita por John Lennon, Kurt Cobain, mas será que a IA consegue de fato “fazer” uma nova canção, ou simplesmente estabelecer alguns padrões e reciclar partes de suas obras, criando um boneco de Frankenstein? Da mesma forma, já se tem a intenção de lançar um “novo” livro da Agatha Christie.
Copiar,
plagiar, fazer suas as palavras de outro não é exatamente uma coisa nova na
humanidade. A inteligência artificial só nos trouxe, nesses casos, uma nova
forma de plagio.
Por outro lado, com a Inteligência Artificial foi possível recuperar uma música inédita de John Lennon que estava em fita K7, consequentemente em baixa qualidade para os padrões atuais, e incluí-la em uma faixa inédita lançada ano passado chamada Now and Them. Papirus encontrados numa cidade da Roma antiga, Herculano, destruída pelo vulcão Vesúvio, foram recentemente resgatados, escaneados e decifrados através de inteligência artificial, pois seu estado impossibilitava que fossem manuseados.
A verdade
é que estamos bem no início ainda de todo esse processo de IA. Não sabemos
ainda para onde vai.
Tivemos recentemente um prêmio Jabuti sendo retirado de ilustrações de uma nova edição de Frankenstein por ter sido constatado o uso de IA pelo designer. O autor se defendeu dizendo que já era comum esse uso por ilustradores. A questão é até onde podemos considerar a IA uma ferramenta cujo uso não ultrapasse os limites da razoabilidade, não interfira na criatividade de quem a usa. Quais seriam esses limites? A IA pode dar uma ideia para um escritor, que posteriormente desenvolvendo sua obra a partir dela a terá como coautora de sua criação.
No cinema há como gravar apenas uma vez o ator simulando várias expressões e, com esse material, a IA vai colocando a expressão necessária para determinada cena, eliminando a necessidade de que o ator atue e grave cada cena individualmente.
Devemos ver a IA como uma ferramenta para elaborar ainda mais nossa produção criativa. Para a IA funcionar há necessidade de um direcionamento humano. Precisa haver uma excelência para se dar os comandos. Quando não há a execução criativa humana, apenas a extração de conteúdo de uma máquina, falta ironia nos textos poéticos, falta a questão das entrelinhas, do não dito, das coisas mais subjetivas que o autor extrai de si e coloca em sua obra. Quem analisou as criações literárias da IA diz que o que falta exatamente é o elemento humano. Daria para perceber que não é uma pessoa que escreveu. Há um estado de arte dentro do tecnológico, mas o autor pode carregar a sua sensibilidade, desde que haja um equilíbrio.
A
inteligência artificial não é inteligente. O sublime da arte está na
criatividade humana. Vamos ser mais criativos! Tecnologia como instrumento, nós
no comando!
Dicas de filmes que surgiram durante as discussões:
Ela
Encontros
e desencontros
Bom
dia, Vietnam
Trumbo
Spartacus
Blade
Runner
O
Homem Bicentenário
O
Carteiro e o Poeta
Um
robô em curto circuito
Grandes
olhos
Get
back beatles (documentário)
Obs.:
Texto criado a partir das discussões em torno do tema no XXIII Encontro de
Escritores e Leitores, que aconteceu on line, pelo Google Meet em 16/02/2024.
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