sábado, 19 de outubro de 2019

Escrita – a influência nossa de cada dia


Com a ideia de que influência não é cópia e que não há escritor sem leitura, começa a conversa no nosso III Encontro de Escritores e Leitores, acontecido ontem no espaço do Kas Tattoo, em Guarulhos.

Como o tema desta vez era “Criação, Estilo e influência do autor”, o mediador, o poeta César Magalhães Borges, começa lembrando que não podemos negar que somos influenciados pelo meio em que vivemos, pela língua que falamos, pelos padrões culturais a que estamos submetidos. “Ninguém faria uma poesia, um conto, um romance, se não aprendesse dentro desse caldeirão da cultura”, afirma.

O poeta lembra que é o nosso contato com as outras artes, com a obra do outro, que nos faz começar a escrever. “Sequer falaríamos se não estivéssemos em um grupo que fala”.  Além disso, mesmo aquele cantador ou poeta que por algum motivo não aprendeu a ler e escrever criou sua arte de ouvir outros cantadores.

César Borges ainda comenta uma frase tão infeliz quanto absurda que ouviu de um pretenso escritor - “Claro que eu conheço Drummond. Mas não leio para não me influenciar”, esse autor teria dito em determinada ocasião.

Para o mediador, o ato de se influenciar pela leitura pode ser comparado àquelas bonequinhas russas, as “Matrioskas”, porque quanto mais se lê um autor, mais se vai tirando camadas de dentro dele e assim enriquecendo seus escritos.

Muitos sãos os exemplos de autores cuja influência pode ser notada em suas obras.

A escritora Rosinha Morais cita a polêmica existente a respeito da dúvida se Machado de Assis leu ou não o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Guilhermina Helfstein e Alaercio Zamuner também comentam sobre as influências de Machado de Assis, que teriam se iniciado a partir do empenho de sua esposa a apresentar-lhe os livros. “Pega os primeiros romances dele, a maneira de escrever, tem muito da escola francesa. Quando ele vai para Memórias Póstumas de Brás Cubas, aí é Spencer (*), é Shakespeare (**)”, diz Alaercio. Seria a habilidade de transformar coisas corriqueiras em textos psicologicamente profundos.

César Borges cita ainda o poeta inglês do século XVII – John Donne: “Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. ... A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

De mesma inspiração, lista o romance “Por Quem os Sinos Dobram”, do escritor norte-americano Ernest Hemingway e o álbum de Raul Seixas com o mesmo título, “Por quem os sinos dobram”. Acrescenta também o poema “Os Sinos”, de Manuel Bandeira, que explora o ritmo da cidade do interior marcado pelos sons dos sinos, relatando nascimento, morte e ressurreição. A partir desses, Alaercio Zamuner revela ter sido influenciando e criado uma crônica mencionando os sinos, na ocasião da morte de um tio.

Quando os autores e leitores presentes são incentivados pelo mediador a citar suas influências, a autora Eliza Muratori afirma que achava não ter sido marcada por ninguém, que escrevia apenas sobre suas verdades, mas que pensando bem, após aquela explanação, ela encontra em seus escritos uma forma “Sidnei Sheldon” de criar – começando pelo fim e aguçando a curiosidade do leitor.

Guilhermina Helfstein também hesita em detectar seu gosto por Gregório de Matos e Padre Vieira como seus formadores, porém, César Borges atesta que vê claramente sinais desses autores na obra da escritora.

Carlos Alberto Cardoso Pereira afirma gostar de ficção, mas aquela que tem um sentido, como as criações de Júlio Verne, por exemplo.

A escritora Salete afirma ter se contagiado pela crônica poética, pelo aglomerado de palavras de Mario de Andrade.

Já a autora Talita Salvador conta que em sua faculdade de publicidade havia aprendido o conhecido lema “nada se cria, tudo se copia”.  Afirma ser impossível alguém inventar algo que não tenha influência de nada. Conta ser leitora do britânico J. R. R. Tolkien, especialmente da trilogia “O Senhor dos Anéis” e de Dan Brown (Código Da Vinci).

Wagner Pires revela-se leitor de Shakespeare, de Camões, Cervantes e diz também que sofre influência pelo ambiente cultural do Rock.

Alaercio revela suas bases a partir de seus comentários e diz que a própria escolha do tema para esse encontro, feita por ele, teve origem na obra sobre Guimarães Rosa, na qual vê semelhanças com “A divina Comédia” (Dante Alighieri).

A autora desse texto e blog, obviamente presente e ligada na discussão, revela ter se inspirado a escrever a partir da leitura de “Cem Anos de Solidão”, cujo autor também foi alvo de seus estudos durante o curso de jornalismo, com “Relato de um Náufrago” e “Notícias de um Sequestro”, todos eles de Gabriel García Márquez. Rubem Alves também é um autor que a cativou e que a fez gostar de escrever sobre coisas simples da vida, como o tempo, o envelhecimento etc. ”Também me sinto influenciada pela televisão, pelos telejornais e pelas novelas”.

Acrescentando mais um conceito e tentando fechar a sessão de discussão, César Borges relata concordar com o pensamento da antropofagia de Oswald de Andrade e confessa “comer” elementos de todas as artes, do cinema, da pintura, do romance, da crítica, da filosofia. “Isso vai me trazer algo quando for escrever”, conclui.

Então, continuemos a criar a partir de nossa “alimentação”!


(*)Herbert Spencer foi um filósofo inglês e um dos representantes do positivismo.
(**) William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo.



Lançamentos:


“O pardal espião”, Eliza Muratori – Dia 12 de Novembro, das 18h às 20h, Rua Alvares Machado, 22 – 1.o andar, São Paulo.

 “Vida a granel. Histórias de supermercados”, César Magalhães Borges – Dia 19 de Novembro, na Galeria Metrópole Av. São Luís, 187 - Centro Loja 29, 2º andar São Paulo e Dia 07 de Dezembro, no Espaço Novo Mundo, avenida Salgado Filho, 1453, em Guarulhos/SP.

Alaercio Zamuner  estará lançando em breve seu livro de crônicas, Monte-Sionenses: Chão e Estrelas.

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6 comentários:

  1. Talita Martins Salvador19 de outubro de 2019 às 11:06

    Sempre muito bem explanado e resumido nossos encontros!!! Que tenhamos cada vez mais inspiração, porque a arte só acrescenta!!!

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    1. Obrigada, Talita. Bons encontros geram bom textos. Inspiremo-nos!

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  2. Ótimo, Fátima, foi precisa, realmente. Belo registro de nosso debate sobre a arte de escrever.

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    1. Que bom que gostou. Estou feliz por ter conseguido registrar esse encontro tão rico de ideias e informações!

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  3. Boa, Fátima. Aos poucos vai-se gerando um documento sobre os encontros. Grandes papos!!! Abraços!

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