domingo, 20 de dezembro de 2020
Planeta Novo
quarta-feira, 9 de dezembro de 2020
Mea Maxima Culpa
D |
o alto do cais Rosália contempla
o mar com um misto de tristeza e desconforto. Faz parte de sua rotina começar o
dia dessa forma. Espera um dia despertar desse pesadelo terrível e voltar a
visualizar águas puras e cristalinas, como em sua infância havia presenciado.
As ondas batem insistentemente contra as estacas da estrutura, mas junto delas,
uma infinidade de objetos faz o mesmo movimento. Garrafas plásticas, sacolas,
pneus e outros sólidos, na maioria das vezes irreconhecíveis, parecem querer
invadir todo seu espaço, procurando avançar cada vez mais ferozmente sobre o
ambiente onde está o homem, parecendo conhecer sua responsabilidade por estarem
ali à deriva.
Em
2040, ela com seus 56 anos, ainda não se conforma com o aumento da poluição nos
mares e rios, com aquele volume exagerado de materiais descartados
irregularmente que vêm sabe-se lá de onde, sabe-se lá de que tempo. É certo que
eles tomaram conta das águas, habitando em maior número do que peixes e seres
vivos aquelas que haviam sido no princípio o berço da humanidade. Atualmente
estavam mais para túmulo de dejetos.
Apesar
de sua insatisfação, como sempre, ela pede perdão a Deus por terem os homens
colaborado e permitido que a situação chegasse a esse ponto. No fundo também se
sente culpada por no passado não ter adotado hábitos sustentáveis em seu dia a
dia. Enquanto algumas poucas pessoas iam ao supermercado com suas sacolas
retornáveis, ela fazia uso das sacolas plásticas, trazia sempre para casa uma
infinidade delas. Comprava com frequência alimentos processados e embalados em
plástico e isopor. Não separava o lixo orgânico do reciclável e nem se
preocupava com o descarte irregular de pilhas e resíduos eletrônicos.
Achava
um exagero todas aquelas medidas, ditadas por pessoas denominadas “ecochatos”.
Malucos que viviam espalhando terror de que o homem estava destruindo o mundo.
Que bobagem, pensava quando jovem. O mundo era tão grande! Como ela, sozinha,
com seus hábitos, poderia destruí-lo?
A resposta era tão simples. Como
não tinha conseguido enxergar? A questão é que não eram apenas os seus hábitos
e sim o de grande parte dos humanos no mundo todo. Bilhões e bilhões de
pessoas, todas cegas e insensíveis ao perigo iminente.
Agora, com toda aquela poluição
no mar, nos rios e no ar, com a devastação de metade de toda a floresta
Amazônica e de muitas outras pelo mundo afora e com todas as consequências que
esse descaso havia provocado para a humanidade, com toda a escassez de água e
alimento a que o homem estava submetido, só havia um caminho. Esse caminho era
o de enfrentar a sua sina e buscar meios de sobreviver e sobrevivendo, procurar
reverter todo aquele cenário maldito.
Conto inspirado na distopia #EsseFuturoNão! Rosália não é persongem do livro, mas poderia ser. Se gostar, curte, compartilhe. Gostando ou não, comente.
#distopias #literatura #contos
quarta-feira, 30 de setembro de 2020
O século XX nas páginas do século XXI
A polarização da literatura no século em que vivemos, a
sua diluição entre tantos canais que a evolução tecnológica nos propicia, além do
fato de ela estar sendo produzida por um número muito maior de pessoas em todo
o mundo, pode ser o motivo pelo qual não tenha se formado ainda uma corrente
literária atual, nova, genuína do século XXI.
Se no século XX tivemos movimentos como o Cubismo, o Futurismo,
O Expressionismo, o Manifesto Dadaísta, o Surrealismo, o Modernismo, entre
outros. Que rótulo teríamos hoje para o que está sendo produzido?
Na verdade, o que vivemos talvez seja uma assimilação de
tudo o que surgiu no século passado, muito mais do que uma nova criação, uma
degustação com uma releitura do que existia, com nosso olhar, a partir de
diferentes vozes e de minorias ou de grupos maiores que, porém, nunca tiveram
espaço e representatividade na sociedade. Seria muito mais uma literatura de
resistência, de postura política, de crítica social, do que uma mudança
estética.
O surgimento de correntes ou movimentos não foi na
maioria das vezes de caso pensado. Foram simplesmente aparecendo a partir de
pessoas que discutiam seus assuntos de interesse, que conviviam e tinham entre
si algo em comum. Sem perceber, ou programar, foram criando o que os outros
enxergaram como sendo algo novo.
Mas o que realmente é novo? O Slam, por exemplo, movimento
surgido entre jovens das periferias e guetos, visto como algo em ascensão, seria
um movimento novo ou algo criado a partir dos repentes ou da literatura de cordel?
Talvez haja uma diferença não tão estética, mas de
origem. Enquanto no passado Euclides da Cunha falava sobre o nordestino sofrido
e abandonado ou Clarice Lispector gritava em favor da mulher, atualmente surge
a literatura da mulher negra lutando pelo direito de ter voz, a literatura dos
índios tentando chamar a atenção do mundo para si e para seus direitos. O mesmo
ocorre com os LGBTQ+ e com muitos outros grupos que passaram a lutar para serem
ouvidos.
A imensidão dessas vozes faz com que tenhamos menos nomes
em destaque, grandes nomes, grandes poetas, como no passado. Isso não quer
dizer que não tenhamos bons escritores, bons poetas, pessoas criativas e de
talento. Há aqueles que se tornam famosos por conseguirem um maior espaço de
exposição, mas esses não são necessariamente os únicos possuidores de talento
ou criadores de grandes obras. O avanço tecnológico abre espaço para muitos,
mas a luz nem sempre os ilumina com a mesma intensidade. Todos poderão amanhã
ser denominados, quem sabe, pós-contemporâneos.
O texto acima é um
resumo do que foi discutido no VII Encontro de Escritores e Leitores, realizado
em formato virtual.
#literatura #correntesliterárias
#séculoXX #séculoXXI
terça-feira, 4 de agosto de 2020
No meio da noite
No
meio da noite, na escuridão de meu quarto, minhas mãos, que involuntariamente repousavam
entrelaçadas sobre meu peito, foram tocadas por alguém, que julguei ser um
menino. Não consegui ver seu rosto, mas vestia uma camiseta de largas listras
horizontais. O horror tomou conta de mim. Um grito forte e dolorido ficou preso
em minha garganta. Em vez disso, consegui apenas um gemido. O desespero fez meu
coração disparar. O ar já começava a me faltar, quando, felizmente, consegui
despertar daquele terrível pesadelo.
Horas antes havia participado de um interessante
encontro literário, ocasião em que lemos e analisamos o terrível conto de Allan
Poe, O Coração delator. Através dele, um sádico assassino narra em detalhes
como planejou e executou a morte de seu eleito – pobre velho cuja única culpa
era ostentar em seu rosto um olho azul esbranquiçado que enchia de pavor seu algoz,
a todo o momento, lembrando-lhe um abutre. Ao dar cabo de seu plano e ocultar o
corpo embaixo do assoalho, orgulhoso de seu feito, o narrador ainda conta como
recebeu os policiais vindos para investigar um possível crime, do qual ele se
gaba, por se considerar totalmente insuspeito.
O conto de Poe termina com o
assassino acusando-se a si próprio e apontando o local onde escondera os restos
mortais da vítima, cujo corpo esquartejado ainda expõe, a sons cada vez mais
altos, apenas para seu carrasco, o bater incansável de seu coração horrorizado
e assustador.
Foi com meu coração ainda disparado,
que após despertar daquele horrível pesadelo, por algum tempo que não sei precisar
qual, me mantive parada, estática, na mesma posição em que me encontrava no
sonho, com medo, tentando encontrar uma explicação razoável para aquela
ocorrência apavorante. A arritmia me apavorava ainda mais, com o receio de me
levar a um possível enfarte.
Passado esse tempo, que ainda não
sei precisar o qual, restabelecido o batimento cardíaco normal e afastado um
pouco o pavor, levantei-me, lavei o rosto e tomei um belo gole de água. Havíamos
comentado ao final da noite, sobre a possibilidade de um pesadelo, ao abordarmos
tema tão soturno e macabro. Além disso, eu havia devorado fora de hora, um
misto quente caseiro, apesar de saber que dormir de estômago cheio, poderia me
provocar pesadelos. Sim, foi o sanduíche, com certeza! De qualquer forma, implorarei
ao professor uma mudança radical de gênero e de autor. Quem sabe, Vinicius de
Moraes, Drummond ou Machado. Serão mais que bem-vindos!
#crônicas
#contos #AllanPoe #pesadelo #literatura #ocoraçãodelator
domingo, 24 de maio de 2020
Distopia e Utopia na literatura e nas artes
Com a crise sanitária mundial provocada pela Covid-19 e uma crise política que vem ganhando força a cada dia, nos vemos em uma realidade distópica, com muitos e mais intensos ingredientes que os criados pela literatura.
Há escritores que se consagraram na utilização de distopias e utopias em suas obras. De Platão a Gabriel Garcia Marques, de Charles Chaplin a Geoge Orwell ou Aldous Huxley, Manoel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, The Beatles e The Doors, foram inúmeros os autores e obras citadas no debate. Seria a distopia real e a utopia imaginária? Ao menos, ao que parece, a utopia deixa de sê-la quando é alcançada e surgem então novos sonhos a serem perseguidos. Além disso, o que é distopia para uns pode ser utopia para outros e vice-versa.
Praticamente um consenso entre os participantes, na literatura não existiria uma escolha a ser feita, porque ambas, distopia e utopia, seriam complementares, coexistindo no cenário real e no imaginário. Haveria de se ter o equilíbrio entre elas. O que faria então uma obra ser boa ou ruim não seria exatamente a escolha de uma delas e sim como as duas estariam sendo tratadas na criação.
Pode ser que a atual situação de crise mundial e interna que vivemos faça brotar inúmeras obras nesse gênero. A própria situação a que todos estamos expostos, mesmo que não escritores proclamados, faz com que reflitamos sobre ela, sobre os sentimentos que faz brotar, sobre as angústias e os medos, as certezas e as incertezas, as previsões e especulações a respeito do futuro. Quanto mais incerto o futuro, maior a possibilidade de aparecerem histórias diferentes e inimaginadas.
Em tempo: Eu, particularmente, me aventurei nesse campo como iniciante, em meu livro #EsseFuturoNão! (já publicado em e-book e próximo a sair como livro físico). No meu caso, esse tipo de escrita surge da necessidade de externar a angústia de estar vivendo tudo isso.
#Distopia #Utopia #literatura #artes #pandemia #EsseFuturoNão!