Difícil falar sobre antropofagia sem pensar
na Semana de Arte Moderna de 1922. Afinal, ela foi um marco para o Brasil em
termos de busca de identidade cultural. Mas a arte, a literatura brasileira que
existiu antes dela, se “alimentava” de quê? Sem nos prender a datas, podemos,
primeiramente, classificar a literatura brasileira como sendo aquela criada por
brasileiros, de uma nação em formação, seja em que período for ou mesmo aquelas
criadas por nativos de passagem por outros locais do mundo.
Se analisarmos o quadro “Caipira picando
fumo”, vemos o pintor Almeida Junior, ainda no século XIX, com uma preocupação
de retratar o Brasil, mesmo que com uma estética europeia.
Quando Lima Barreto escreveu “Triste fim de
Policarpo Quaresma”, publicado ao longo de 1911 como folhetim nos jornais, editado
em livro em 1915, antes, portanto, do movimento modernista, tinha como
temática o sujeito patriota, ingênuo, que queria descobrir o que era ser
brasileiro.
Os exemplos citados demonstram que essa
busca de identidade começa a se acentuar a partir de um Brasil nação, de um
Brasil independente. A diferença entre esses eventos e o Modernismo é que nele, o Brasil consegue, pela primeira vez, estar
em consonância com o mundo, no qual ao mesmo tempo vinham à tona vanguardas
artísticas.
Podemos enxergar em “Abaporu” de Tarcila do
Amaral uma modernidade estética quando comparado ao quadro mencionado
anteriormente, de Almeida Junior.
Quando pensamos em artistas que buscaram em
suas obras um Brasil puro, sem estrangeirismos, podemos ter uma visão que pode
ser confundida com xenofobia. Já a definição de antropofagia nos sugere “nos
alimentar de algo de fora” para “criar algo nosso”, algo novo. Além disso, da
mesma forma que produtos estrangeiros chegam aqui para ser consumidos, podemos
comemorar quando um produto nosso faz sucesso lá fora e acaba servindo de base
para outras criações também. Parece, portanto, muito mais razoável esse diálogo
entre culturas de um mundo globalizado.
Só que quando pensamos nos índios
antropófagos, vemos que eles não comiam qualquer pessoa, mas apenas “os
guerreiros mais valentes” em busca do “espírito do forte”. Da mesma forma, talvez
nunca sejamos cem por cento nacionais, mas ávidos por “nobres guerreiros” a
serem consumidos e transformados com a nossa brasilidade.
O leitor, assim como o escritor, por sua vez, tem a chance de se
alimentar de diversos gêneros, de diversas escolas literárias, de estéticas
diferentes, para criar um ponto de vista, criar quem é, levar o conjunto do que
consumiu para sua vida. “Somos o que
consumimos”, já disse o poeta, lembrando também a lei de Lavousier, que prega
que na natureza nada se cria, tudo se transforma.
*Texto baseado nas falas do XVII Encontro de Escritores e Leitores, em 16/09/2022, pelo Google Meet e que tinha como tema "Antropofagia: um modo de ser
brasileiro?".
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