terça-feira, 25 de outubro de 2022

Primavera em Outubro

    Sempre que vai chegando a minha época preferida do ano, eu publico foto das minhas orquídeas com suas belíssimas floradas. Às vezes escrevo até uma crônica para acompanhar.

    Este ano tem sido um pouco diferente. Elas demoraram muito para florescer. Tem ano que em agosto já surgem os botões. Este, estranhamente, só começaram a brotar no final de setembro. Mas também pudera. Estamos em outubro, e a primavera ainda não chegou! Ao menos, é assim que eu sinto. Temperaturas abaixo do normal, ainda que os ânimos estejam exaltados.

    Alguma razão há de ter. Não sou adepta a esoterismo, tarô, horóscopos, essas coisas, mas arrisco dizer que vivemos tempos anormais, estranhos, esquisitos mesmos, com até as leis da natureza sendo “contestadas”. O ar parece mais poluído do que de costume, os dias mais cinzentos, tenebrosos, como se vivêssemos um conto de terror (a cada dia se sobressai um vilão diferente). Não gosto de terror! Sou escritora adepta dos romances e dos contos de fadas.

    Pensando bem, olhando por um aspecto mais otimista, mais a minha cara, quem sabe eu não esteja errada quanto ao gênero da ficção que vivemos, travestida de realidade. Quem sabe estejamos vivendo um realismo mágico, bem ao estilo de García Marquez. Mas um daqueles, que embora repleto de acontecimentos inacreditáveis e difíceis de compreender, seja estruturado de uma forma que nos leve a um final feliz, bem ao estilo fábula, dando uma bela lição aos malfeitores.

Quem sabe a primavera não chega dia 30 de outubro?

#crônica #flores #orquídeas #primavera #realismomagico 





segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Antropofagia: um modo de ser brasileiro?

 

Difícil falar sobre antropofagia sem pensar na Semana de Arte Moderna de 1922. Afinal, ela foi um marco para o Brasil em termos de busca de identidade cultural. Mas a arte, a literatura brasileira que existiu antes dela, se “alimentava” de quê? Sem nos prender a datas, podemos, primeiramente, classificar a literatura brasileira como sendo aquela criada por brasileiros, de uma nação em formação, seja em que período for ou mesmo aquelas criadas por nativos de passagem por outros locais do mundo.

    Se analisarmos o quadro “Caipira picando fumo”, vemos o pintor Almeida Junior, ainda no século XIX, com uma preocupação de retratar o Brasil, mesmo que com uma estética europeia.

    Quando Lima Barreto escreveu “Triste fim de Policarpo Quaresma”, publicado ao longo de 1911 como folhetim nos jornais, editado em livro em 1915, antes, portanto, do movimento modernista, tinha como temática o sujeito patriota, ingênuo, que queria descobrir o que era ser brasileiro.

    Os exemplos citados demonstram que essa busca de identidade começa a se acentuar a partir de um Brasil nação, de um Brasil independente. A diferença entre esses eventos e o Modernismo é que nele, o Brasil consegue, pela primeira vez, estar em consonância com o mundo, no qual ao mesmo tempo vinham à tona vanguardas artísticas.

    Podemos enxergar em “Abaporu” de Tarcila do Amaral uma modernidade estética quando comparado ao quadro mencionado anteriormente, de Almeida Junior.

        Quando pensamos em artistas que buscaram em suas obras um Brasil puro, sem estrangeirismos, podemos ter uma visão que pode ser confundida com xenofobia. Já a definição de antropofagia nos sugere “nos alimentar de algo de fora” para “criar algo nosso”, algo novo. Além disso, da mesma forma que produtos estrangeiros chegam aqui para ser consumidos, podemos comemorar quando um produto nosso faz sucesso lá fora e acaba servindo de base para outras criações também. Parece, portanto, muito mais razoável esse diálogo entre culturas de um mundo globalizado.

    Só que quando pensamos nos índios antropófagos, vemos que eles não comiam qualquer pessoa, mas apenas “os guerreiros mais valentes” em busca do “espírito do forte”. Da mesma forma, talvez nunca sejamos cem por cento nacionais, mas ávidos por “nobres guerreiros” a serem consumidos e transformados com a nossa brasilidade.

    O leitor, assim como o escritor, por sua vez, tem a chance de se alimentar de diversos gêneros, de diversas escolas literárias, de estéticas diferentes, para criar um ponto de vista, criar quem é, levar o conjunto do que consumiu para sua vida.  “Somos o que consumimos”, já disse o poeta, lembrando também a lei de Lavousier, que prega que na natureza nada se cria, tudo se transforma.

*Texto baseado nas falas do XVII Encontro de Escritores e Leitores, em 16/09/2022, pelo Google Meet e que tinha como tema "Antropofagia: um modo de ser brasileiro?".

#literatura #artes #antropofagia #semanade22 

segunda-feira, 16 de maio de 2022

“As fronteiras entre a ‘apropriação’ e o ‘plágio’”

    Quando você se apropria de uma obra, seja ela uma história escrita, um poema, uma música, uma pintura etc e a partir dela cria uma nova versão ou algo novo, partindo do que já existia, desde que esteja claro quem é o autor original, não há mal algum, faz até parte do processo criativo. Afinal, a arte surge a partir da observação da natureza, do que já existe nela e também do que outros já fizeram. É impensável, por exemplo, que alguém se torne um bom escritor, sem que seja um ávido leitor de variados gêneros literários.

    É importante que haja uma assimilação de culturas, o que torna possível que se dance balé no Brasil ou em qualquer parte do mundo e não apenas na França ou na Rússia, berço do Bolshoi. Da mesma forma temos de entender quando um estrangeiro faz samba ou bossa nova, gêneros tipicamente brasileiros.

   Na literatura é comum haver apropriação de estilos, o que faz com que, quando lemos um determinado autor, possamos identificar quais são suas referências, por quem mais ele foi influenciado ao desenvolver seu trabalho. Isso significa que o legado de um escritor ou de um artista não morrerá com ele, mas será disseminado e eternizado.

  Entendem-se, portanto, todas essas “apropriações” muito mais como reconhecimento, como homenagem, meio de perpetuação, do que como algo negativo.

    Nada disso tem a ver com plágio. Plágio é cópia, o ato de se intitular autor sem de fato sê-lo. Plágio é crime e quando comprovado está sujeito a sanções perante a lei. Vários são os casos em que se discutem autorias e que vão parar na justiça.

    Na música é bastante comum o uso não autorizado de letras ou melodias tanto no Brasil quanto no mundo. Taj Mahal, de Jorge Ben Jor, por exemplo, foi copiada por Rod Stewart. Não seria possível listar aqui todos os casos já registrados desse crime, tamanha quantidade deles envolvendo músicos famosos no Brasil e no mundo todo. Na literatura e no cinema também existem flagrantes cópias, levadas ou não à justiça.  Quem não se lembra do filme “As Aventuras de PI”, indicado para o Oscar, inspirado no livro do canadense Yann Martel, cujas semelhanças com “Max e os Felinos”, de Moacyr Scliar, são inegáveis e acabaram sendo admitidas pelo premiado autor estrangeiro, que alegou ter se baseado na história original do brasileiro?

    Esperamos que boas obras continuem sendo sempre fonte de inspiração no mundo das artes e que direitos autorais sejam sempre respeitados.

Dicas de filmes: "As palavras" e "As Aventuras de PI".

Texto elaborado a partir das discussões surgidas durante o XVI Encontro de Escritores e Leitores, dia 13/05/2022, pelo Google Meet.

#arte #apropriação #plágio #música #cinema #literatura

 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Qual o valor da Arte?

 


     Para responder à pergunta do título, em primeiro lugar é necessário saber de que tipo de valor estamos falando. Existem inúmeros significados para a palavra “valor”, principalmente quando se trata de arte. Temos o valor monetário de mercado, mas também temos o valor sentimental, o valor cultural, o valor social, temos o valor da própria arte para o artista, levando-se em consideração o que ele recebe em troca, não em espécie, mas em crescimento pessoal. Certamente poderemos pensar em outros tantos diferentes tipos de valores atribuídos à arte entre os diversos indivíduos que estão de alguma forma em contato com ela.

    Na sociedade atual, na maioria das vezes, o fazer arte acaba se tornando profissão também, uma atividade artística pode prover o sustento de um artista, ou não. Enquanto alguns produzem arte em suas horas vagas ou de lazer, outros o fazem no seu dia a dia, como atividade principal. O quanto cada artista recebe por seu trabalho varia muito e vai depender de sua projeção no mercado da arte no qual se especializou. Ser um bom artista não é garantia de uma boa remuneração e alguns que alcançam uma boa renda podem não ser necessariamente os melhores. Existe uma gama de fatores que irão garantir o sucesso, o fracasso ou simplesmente o anonimato de um artista. Um grandioso trabalho de marketing pode projetá-lo, levá-lo ao topo, torná-lo referência na sua categoria, valorizando suas obras, que podem ser ou não de qualidade, ainda admitindo-se que haja um critério adequado para classificá-las. A raridade ou o fato de ser única podem também tornar uma obra valiosa.

    Para se atribuir um valor a um quadro, por exemplo, não basta quantificar o gasto de tempo do pintor somado ao custo da tela e das tintas que ele utilizou ao concebê-la. Nessa conta entraria também todo o valor de sua formação como artista, além de considerar o quanto de si ele conseguiu transferir para a obra, de quantas camadas de sensibilidade, sentimento ou experiência ela é composta. Toda essa complexibilidade faz com que esse valor seja praticamente imensurável. Ele pode ser descoberto até num futuro distante ao de sua produção. O maior exemplo disso é o das obras de Vincent Van Gogh, um pintor que não conseguiu vender um quadro em vida, mas que hoje, mais de 100 anos após sua morte, são avaliadas em milhões de euros.

    Quando se pensa, portanto, no valor mercadológico da arte, vamos por esses caminhos extremamente tortuosos e variados. Mas a arte também tem um valor social, um valor formativo, um valor terapêutico tanto para quem produz arte como para quem a consome. Freud teria dito que “Só a neurose do artista é bela” significando que o homem poderia elaborar toda a sua problemática interior e transformá-la em arte. Há psiquiatras, como a Dr. Nise da Silveira, pioneira na terapia ocupacional, que estimulam a produção artística como forma de terapia. Talvez, refletir sobre a sanidade de cada autor tenha levado John Lennon a afirmar que se grandes artistas como Van Gogh, Gauguin etc. tivessem se submetido à psicanálise, não teriam produzido suas grandes obras de arte.

    Em outra perspectiva, podemos dizer que haverá grande valor na arte quando ela tiver a capacidade de carregar algo que transforme. Ferreira Gullar disse “A arte existe porque a vida não basta”. O poder de representação da arte faz com que, muitas vezes, o que o artista diga com sua obra não seja apenas o que ele pensa, mas o que outros pensam. Ao contrário, o artista também pode estar falando de si mesmo, ao tentar expressar o pensamento do outro. Isso explica porque alguém pode se enxergar na arte do outro. A psicologia junguiana defende que o artista pode expressar em sua obra o que há em seu inconsciente mais profundo, inclusive com um caráter coletivo, que cada um traria dentro de si. Por isso a arte pode fazer com que alguém se sinta melhor quando entra em contato com ela, que se sinta representado por ela. O valor da arte está ligado a sua capacidade de dar significado à existência do ser humano. Esse significado que está dentro de nós, externamente não é facilmente encontrado. Citando novamente Ferreira Gullar, fazer arte seria construir-se de dentro para fora.

               Dicas:




Filmes:

Moscou em Nova York

Nunca deixe de lembrar

O Último Vermeer

Moça com brinco de pérola

Tudo pela arte

Gauguin – Viagem ao Taiti



Música de Caetano Veloso – Desde que o Samba é Samba



Livros:

Argumentação contra a morte da arte – Ferreira Gullar

Torto Arado – Itamar Vieira Junior



O apanhador no campo de centeio – J D Salinger




Obs.: O texto contém um resumo do que foi discuto durante o XV Encontro de Escritores e Leitores realizado virtualmente pelo Google Meet em 10/02/2020, das 19h às 22h30.

#arte #valordaarte #literatura #escrita