A moda é um conjunto de opiniões, gostos, assim como modos de agir, viver e sentir coletivos. O modismo tem a ver com aceitação, com a necessidade de ser aceito. Os primeiros modismos que podemos citar em processos
de escrita são aqueles configurados pelo uso de palavras ou expressões da
“moda”. Nós vivemos em uma cultura viva, em que o idioma também é vivo, em que
novas palavras são constantemente incorporadas ao vocabulário ou usadas em
sentido diferente do original. A questão é que alguns termos acabam se tornando
esvaziados ou se tornam clichês, de uso forçado. Nós escritores precisamos
ficar atentos a eles, assimilar o que achamos importante ser assimilado, mas
nem sempre nos render a imposições da linguagem. Palavras como “resiliência”,
“ressignificar”, por exemplo, tornaram-se de uso frequente. O mesmo acontece
com termos como “não é sobre... é sobre...”, “ato de resistência” etc.
Se a pessoa não usa esses termos, parece não
ser “in”, parece estar “out”. A utilização exagerada deles pode nos levar a uma
vala comum de linguagem, em que a palavra passa a não dizer aquilo que ela
deveria dizer.
Quando a primeira pessoa definiu uma mulher
como “guerreira”, deve ter soado bem, mas quando 500 mil pessoas começam a
falar dessa mesma forma a respeito de alguém, acaba-se desvalorizando a
metáfora. Começamos a pensar: será que não haveria outra palavra para usar
nesse caso? Usa-se “foco” demais, o que aconteceu com a palavra “concentração”?
Nós a perdemos de vez? Usa-se demais “empoderamento”, será que queremos
realmente que alguém em especial tenha poder e outros não? Qual o sentido real
dessa palavra? Não seria “autonomia” um termo melhor para o que queremos
expressar?
Tornou-se moda também que a mulher escreva
sobre seus anseios, as lutas em nome das mulheres guerreiras, mas isso não pode
ser uma imposição para uma mulher escritora. Nada impede que ela escreva sobre
o que quiser, mesmo que não esteja levantando uma bandeira.
Já o termo “narrativa” foi roubado da
literatura para ser usado na política, com o significado de versão, com
carácter ideológico e polarizado: “a narrativa da esquerda…”, “a narrativa da
extrema direita” etc.
O gênero romantismo está associado à
subjetividade, ao nacionalismo, um termo ligado ao ideal libertário, mas deixou
de ser entendido assim atualmente. As pessoas não sabem o que é esse
romantismo. O próprio romantismo virou moda, tornou-se clichê.
Quando aderimos a esses clichês, nos tornamos
mais um produto de prateleira, feitos em série, do que escritores autênticos.
Por outro lado, existe uma necessidade da natureza humana de se agregar.
Ninguém quer viver sozinho. Porém quando começamos a ficar seriados demais,
parecemos estar atentando contra a nossa singularidade.
Os modismos aparecem nos meios de comunicação,
nas redes sociais. Distopias, haicais inexpressivos, um amontoado de palavras
agrupadas para atender a “moda”, sem aprofundamento na origem desse tipo de
poema, sem estudo sobre o que levou a essa forma de expressão, sobre as
influências ao longo da sua história.
Autoficção, um termo da moda, já não existe
desde sempre? Nas cavernas os homens não estavam fazendo autoficção? Qual
o autor que não está presente em sua obra?
Algo que está em moda são as oficinas de escrita
criativa. Para que tenham sucesso e ajudem realmente alguém a se aprimorar na
arte da escrita dependerá muito de quem será o formador. Se coloca regras
demais, rigidez demais, vai criando uma tendência que pode não ser boa.
Lembrando Drummond, se o poeta encontra uma pedra no meio do caminho e senta
nela, ele nunca mais vai sair de lá. A fórmula pode ser um tremendo obstáculo
para o autor. Devemos fugir dela. Ela pode servir para um poema, mas será para
uma só vez .
Ainda sobre o Haicai, sobre sua fórmula 5-7-5,
Bashô fala que se tem de aprender todas as regras, para depois descartá-las.
Depois de pegar a essência, o autor abandona a rigidez e inventa seu caminho.
Outro exemplo de modismo, foi a literatura
engajada que vimos muito durante a pandemia. Parecia um modismo porque as
pessoas estavam sempre falando das mesmas coisas. Nunca a serviço de um
espanto, de um impacto poético ou de um exercício puramente lírico. O exercício
da poíeses, de criar mesmo, sem estar em função da conjuntura. Mesmo assim, não
podemos deixar de reconhecer a importância de tais exercícios poéticos por
conta de demarcar uma situação vivida. De datar aquilo que passamos, ainda que
tenha se tornado clichê.
Porém devemos ter em mente que sempre que
atendemos demais a apelos que só dizem respeito ao presente, corremos o risco
de ter algo que não faça tanto sentido no futuro. Com a crônica pode até
funcionar, mas outros gêneros que ficam datados demais, ficam apenas como um
retrato daquele momento.
Mas o que, então, deve-se esperar de um bom texto, um bom conto, um bom poema? Se não provoca espanto, se não tem revelação, nada que demonstre algum trabalho poético, de lirismo, não é verdadeiro. O mesmo com as Aldravias, seis palavras, uma em cima da outra, precisam ter algo de novo, de especial, produzir um resultado criativo. Um miniconto deve ter uma narrativa concisa, mas a maioria não chega a isso. Uma frase não é um miniconto.
A moda é boa pra quem cria. Mas é péssima para
quem a segue. Quem cria, se notabiliza, ganha dinheiro, fica famoso, quem segue
está sempre um passo atrás, nunca vai chegar lá. A moda é inimiga da
originalidade. Nada contra quem busca o que está “vendendo” e opta por produzir
o que está na moda. É um direito de cada um. Mas se não é o que queremos,
devemos procurar a nossa própria voz para produzir a escrita do nosso jeito,
tentando não nos render aos modismos. Percorrer a estrada não trilhada pode
fazer toda a diferença, como no poema “A estrada não trilhada”, de Robert
Frost.
Ainda que optemos por um tema da moda, o importante
é encontrar um jeito original de se falar sobre ele, seja na poesia ou na
prosa. Quando se faz um poema, seja qual for o assunto, o que vai prevalecer é
a demanda da lírica e sua essência. Além disso, uma narrativa tem que causar um
impacto no leitor. O problema não é o tema e sim a necessidade de fugir do
lugar comum.
Os temas em geral são os mesmos que vêm sendo
tratados historicamente de forma universal. O fato está na capacidade de se
expressar de forma genuína, autoral, única. Quando se recorre ao uso do termo
da moda, não se está escrevendo com as suas palavras. Para você ser genuíno em
sua criação artística, precisa se autoconhecer. E é aí que está a maturidade do
artista que precisa conhecer a si mesmo para trazer uma expressão que às vezes é
coletiva, um tema aberto a todos, de uma forma genuína. Ao mesmo tempo não dá
para rompermos com a língua existente. Não dá para se falar com um formalismo
antigo, ninguém vai entender. Precisa ser compreendido. Essa busca de se fazer
compreendido, mas de forma original é o desafio maior do autor.
A própria indústria, o próprio comércio, nos
impulsionam a seguir a moda. Não se escapa muito de ser um pouco como nossos
pais, já cantava Elis Regina. Estamos sendo impelidos a viver uma vida
coletiva. Mas não podemos abrir mão da singularidade.
Ressalvando-se o direito das pessoas se
expressarem, mesmo que não seja de uma forma genuína, autêntica, que possamos
nos esforçar para criar à nossa maneira. O modismo não resolve a arte.
Dica de Filmes:
Mary Shelley
Sociedade dos Poetas mortos
Dica de Livros:
Madame Bovary - Gustave Flaubert.
Os sofrimentos do Jovem Werther - Johann
Wolfgang von Goethe
Obs.: O texto acima resume o resultado das
discussões durante o XXI Encontro de Escritores e Leitores realizado em 22/09/2023
pelo Google Meet.
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