segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Antropofagia: um modo de ser brasileiro?

 

Difícil falar sobre antropofagia sem pensar na Semana de Arte Moderna de 1922. Afinal, ela foi um marco para o Brasil em termos de busca de identidade cultural. Mas a arte, a literatura brasileira que existiu antes dela, se “alimentava” de quê? Sem nos prender a datas, podemos, primeiramente, classificar a literatura brasileira como sendo aquela criada por brasileiros, de uma nação em formação, seja em que período for ou mesmo aquelas criadas por nativos de passagem por outros locais do mundo.

    Se analisarmos o quadro “Caipira picando fumo”, vemos o pintor Almeida Junior, ainda no século XIX, com uma preocupação de retratar o Brasil, mesmo que com uma estética europeia.

    Quando Lima Barreto escreveu “Triste fim de Policarpo Quaresma”, publicado ao longo de 1911 como folhetim nos jornais, editado em livro em 1915, antes, portanto, do movimento modernista, tinha como temática o sujeito patriota, ingênuo, que queria descobrir o que era ser brasileiro.

    Os exemplos citados demonstram que essa busca de identidade começa a se acentuar a partir de um Brasil nação, de um Brasil independente. A diferença entre esses eventos e o Modernismo é que nele, o Brasil consegue, pela primeira vez, estar em consonância com o mundo, no qual ao mesmo tempo vinham à tona vanguardas artísticas.

    Podemos enxergar em “Abaporu” de Tarcila do Amaral uma modernidade estética quando comparado ao quadro mencionado anteriormente, de Almeida Junior.

        Quando pensamos em artistas que buscaram em suas obras um Brasil puro, sem estrangeirismos, podemos ter uma visão que pode ser confundida com xenofobia. Já a definição de antropofagia nos sugere “nos alimentar de algo de fora” para “criar algo nosso”, algo novo. Além disso, da mesma forma que produtos estrangeiros chegam aqui para ser consumidos, podemos comemorar quando um produto nosso faz sucesso lá fora e acaba servindo de base para outras criações também. Parece, portanto, muito mais razoável esse diálogo entre culturas de um mundo globalizado.

    Só que quando pensamos nos índios antropófagos, vemos que eles não comiam qualquer pessoa, mas apenas “os guerreiros mais valentes” em busca do “espírito do forte”. Da mesma forma, talvez nunca sejamos cem por cento nacionais, mas ávidos por “nobres guerreiros” a serem consumidos e transformados com a nossa brasilidade.

    O leitor, assim como o escritor, por sua vez, tem a chance de se alimentar de diversos gêneros, de diversas escolas literárias, de estéticas diferentes, para criar um ponto de vista, criar quem é, levar o conjunto do que consumiu para sua vida.  “Somos o que consumimos”, já disse o poeta, lembrando também a lei de Lavousier, que prega que na natureza nada se cria, tudo se transforma.

*Texto baseado nas falas do XVII Encontro de Escritores e Leitores, em 16/09/2022, pelo Google Meet e que tinha como tema "Antropofagia: um modo de ser brasileiro?".

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