segunda-feira, 22 de março de 2021

A presença, a ausência e a ocultação do autor em sua obra

 

    Mesmo quando o autor escreve em primeira pessoa não está, necessariamente, escrevendo sobre si. Da mesma forma, quando usa a terceira pessoa, pode estar descrevendo suas experiências de vida projetadas em um terceiro. O mesmo acontece na poesia, com o “eu lírico”.

    Há autores que se fazem constantemente presentes em suas obras de tal forma que se fazem reconhecidos ainda que não sejam personagens da história. É possível reconhecer Woody Allen em seus filmes, inclusive naqueles em que ele não atua, apenas dirige. Há quadros em que os pintores se retratam ou se colocam dentro da sua criação. Por exemplo, no quadro “As meninas”, de Velasquez, o pintor se inclui em um canto da cena, pintando seu próprio quadro.

    Já outros não se identificam com tanta facilidade, porém, as próprias escolhas do que escrever e de como escrever trazem a sua marca. Não se encontra Jorge Amado em suas obras, mas se reconhece o escritor na forma humana com que ele trata os meninos em Capitães da Areia, por exemplo, que em outras narrativas poderiam ser retratados como delinquentes. Chico Buarque também não está inserido diretamente em suas composições, mas está visível nos temas de suas músicas, quando fala sobre futebol, sobre comida de boteco, sobre samba ou quando retrata os filhos e sobrinhos brincando.

    Quanto tentamos fazer uma crítica psicológica de uma obra, podemos cometer enganos, pois, nem tudo o que se escreve vem necessariamente do íntimo do escritor. Quanto tentamos fazer uma crítica social, também podemos nos enganar, pois nem sempre há um posicionamento político ou ideológico em uma criação. Pode ser apenas uma invenção, uma construção de algo que talvez não esteja no mundo do autor. Às vezes há um esforço de análise para caber em uma tese que é de quem analisa e não do analisado. Todas esses olhares juntos, incluindo-se a crítica genética, que busca conhecer a trajetória do autor até chegar à conclusão da obra, que analisa seu processo de criação, através da análise de cartas trocadas entre autores, anotações, alterações em rascunhos, talvez possam, aí sim, chegar a uma conclusão mais próxima do real.

    Finalizando, assinar a autoria, seria uma coisa burguesa, da arte mercantil, da arte transformada em comércio? Seria vaidade ocidental, individualismo? Na verdade pode ser apenas o exercício do direito a singularidade de cada ser humano, da forma com que trata suas impressões pessoais a partir de experiências coletivas. Seria, portanto, justo que ele assinasse o que construiu. Da mesma forma não são as invenções patenteadas pelos cientistas?

Obs.: Reflexões resultadas do nosso X Encontro de Escritores e Leitores, evento virtual realizado em 20/03/2021, pelo Google Meet.

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