terça-feira, 4 de agosto de 2020

No meio da noite

            No meio da noite, na escuridão de meu quarto, minhas mãos, que involuntariamente repousavam entrelaçadas sobre meu peito, foram tocadas por alguém, que julguei ser um menino. Não consegui ver seu rosto, mas vestia uma camiseta de largas listras horizontais. O horror tomou conta de mim. Um grito forte e dolorido ficou preso em minha garganta. Em vez disso, consegui apenas um gemido. O desespero fez meu coração disparar. O ar já começava a me faltar, quando, felizmente, consegui despertar daquele terrível pesadelo.

            Horas antes havia participado de um interessante encontro literário, ocasião em que lemos e analisamos o terrível conto de Allan Poe, O Coração delator. Através dele, um sádico assassino narra em detalhes como planejou e executou a morte de seu eleito – pobre velho cuja única culpa era ostentar em seu rosto um olho azul esbranquiçado que enchia de pavor seu algoz, a todo o momento, lembrando-lhe um abutre. Ao dar cabo de seu plano e ocultar o corpo embaixo do assoalho, orgulhoso de seu feito, o narrador ainda conta como recebeu os policiais vindos para investigar um possível crime, do qual ele se gaba, por se considerar totalmente insuspeito.

            O conto de Poe termina com o assassino acusando-se a si próprio e apontando o local onde escondera os restos mortais da vítima, cujo corpo esquartejado ainda expõe, a sons cada vez mais altos, apenas para seu carrasco, o bater incansável de seu coração horrorizado e assustador.

            Foi com meu coração ainda disparado, que após despertar daquele horrível pesadelo, por algum tempo que não sei precisar qual, me mantive parada, estática, na mesma posição em que me encontrava no sonho, com medo, tentando encontrar uma explicação razoável para aquela ocorrência apavorante. A arritmia me apavorava ainda mais, com o receio de me levar a um possível enfarte.

            Passado esse tempo, que ainda não sei precisar o qual, restabelecido o batimento cardíaco normal e afastado um pouco o pavor, levantei-me, lavei o rosto e tomei um belo gole de água. Havíamos comentado ao final da noite, sobre a possibilidade de um pesadelo, ao abordarmos tema tão soturno e macabro. Além disso, eu havia devorado fora de hora, um misto quente caseiro, apesar de saber que dormir de estômago cheio, poderia me provocar pesadelos. Sim, foi o sanduíche, com certeza! De qualquer forma, implorarei ao professor uma mudança radical de gênero e de autor. Quem sabe, Vinicius de Moraes, Drummond ou Machado. Serão mais que bem-vindos!

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