quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Mulheres em conexão com passado, presente e futuro


Mulheres em conexão com o passado, presente e futuro, esse foi o tema do segundo encontro do Clube do Livro do Sesc Guarulhos.

De acordo com Pétala Souza e Isabela Souza, as mediadoras do evento, a menção de passado, presente e futuro é uma das características da maioria das obras das autoras negras. Isso aconteceria porque esses tempos estão interligados e os acontecimentos de um influenciam diretamente nos outros, apesar de nem sempre nos darmos conta disso. Para se construir um futuro se faz necessário acompanhar o presente e conhecer o passado.

As duas obras escolhidas para análise exemplificam bem essa característica. Dana, a protagonista de Kindred Laços de Sangue, de Octavia E. Butler, se vê transportada para o passado e estabelece contato com a escravidão, cuja história conhecia dos livros, mas que passa a vivenciar durante sua experiência de viagem no tempo. 

Em seu vigésimo sexto aniversário, Dana e seu marido estão de mudança para um novo apartamento. Em meio a pilhas de livros e caixas abertas, ela começa a se sentir tonta e cai de joelhos, nauseada. Então, o mundo se despedaça. Dana repentinamente se encontra à beira de uma floresta, próxima a um rio. Uma criança está se afogando e ela corre para salvá-la. Mas, assim que arrasta o menino para fora da água, vê-se diante do cano de uma antiga espingarda. Em um piscar de olhos, ela está de volta a seu novo apartamento, completamente encharcada. É a experiência mais aterrorizante de sua vida... até acontecer de novo. E de novo. Quanto mais tempo passa no século XIX, numa Maryland pré-Guerra Civil – um lugar perigoso para uma mulher negra –, mais consciente Dana fica de que sua vida pode acabar antes mesmo de ter começado.

Uma resenha de Los Angeles Herald-Examiner afirma: “Impossível terminar de ler Kindred sem se sentir mudado. É uma obra de arte dilaceradora, com muito a dizer sobre o amor, o ódio, a escravidão e os dilemas raciais, ontem e hoje”.

Na obra "Ponciá Vicêncio", a segunda escolhida para análise, a autora Conceição Evaristo traça uma conexão entre a escravidão passada e as dificuldades enfrentadas pelos negros na atualidade.

A história descreve os caminhos, as andanças, as marcas, os sonhos e os desencantos da protagonista, Ponciá Vicêncio. A trajetória da personagem da infância à idade adulta, permite uma análise de seus afetos e desafetos e seu envolvimento com a família e os amigos. Com disso, discute-se a questão da identidade de Ponciá, centrada na herança identitária do avô e estabelece um diálogo entre o passado e o presente, entre a lembrança e a vivência, entre o real e o imaginado.

No mundo individualista em que vivemos, vem a calhar a compreensão da vida como um tempo misturado do antes-agora-depois-e-do-depois-ainda, de um povo e das heranças que carrega e irá passar à diante sempre.

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sábado, 19 de outubro de 2019

Escrita – a influência nossa de cada dia


Com a ideia de que influência não é cópia e que não há escritor sem leitura, começa a conversa no nosso III Encontro de Escritores e Leitores, acontecido ontem no espaço do Kas Tattoo, em Guarulhos.

Como o tema desta vez era “Criação, Estilo e influência do autor”, o mediador, o poeta César Magalhães Borges, começa lembrando que não podemos negar que somos influenciados pelo meio em que vivemos, pela língua que falamos, pelos padrões culturais a que estamos submetidos. “Ninguém faria uma poesia, um conto, um romance, se não aprendesse dentro desse caldeirão da cultura”, afirma.

O poeta lembra que é o nosso contato com as outras artes, com a obra do outro, que nos faz começar a escrever. “Sequer falaríamos se não estivéssemos em um grupo que fala”.  Além disso, mesmo aquele cantador ou poeta que por algum motivo não aprendeu a ler e escrever criou sua arte de ouvir outros cantadores.

César Borges ainda comenta uma frase tão infeliz quanto absurda que ouviu de um pretenso escritor - “Claro que eu conheço Drummond. Mas não leio para não me influenciar”, esse autor teria dito em determinada ocasião.

Para o mediador, o ato de se influenciar pela leitura pode ser comparado àquelas bonequinhas russas, as “Matrioskas”, porque quanto mais se lê um autor, mais se vai tirando camadas de dentro dele e assim enriquecendo seus escritos.

Muitos sãos os exemplos de autores cuja influência pode ser notada em suas obras.

A escritora Rosinha Morais cita a polêmica existente a respeito da dúvida se Machado de Assis leu ou não o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Guilhermina Helfstein e Alaercio Zamuner também comentam sobre as influências de Machado de Assis, que teriam se iniciado a partir do empenho de sua esposa a apresentar-lhe os livros. “Pega os primeiros romances dele, a maneira de escrever, tem muito da escola francesa. Quando ele vai para Memórias Póstumas de Brás Cubas, aí é Spencer (*), é Shakespeare (**)”, diz Alaercio. Seria a habilidade de transformar coisas corriqueiras em textos psicologicamente profundos.

César Borges cita ainda o poeta inglês do século XVII – John Donne: “Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. ... A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

De mesma inspiração, lista o romance “Por Quem os Sinos Dobram”, do escritor norte-americano Ernest Hemingway e o álbum de Raul Seixas com o mesmo título, “Por quem os sinos dobram”. Acrescenta também o poema “Os Sinos”, de Manuel Bandeira, que explora o ritmo da cidade do interior marcado pelos sons dos sinos, relatando nascimento, morte e ressurreição. A partir desses, Alaercio Zamuner revela ter sido influenciando e criado uma crônica mencionando os sinos, na ocasião da morte de um tio.

Quando os autores e leitores presentes são incentivados pelo mediador a citar suas influências, a autora Eliza Muratori afirma que achava não ter sido marcada por ninguém, que escrevia apenas sobre suas verdades, mas que pensando bem, após aquela explanação, ela encontra em seus escritos uma forma “Sidnei Sheldon” de criar – começando pelo fim e aguçando a curiosidade do leitor.

Guilhermina Helfstein também hesita em detectar seu gosto por Gregório de Matos e Padre Vieira como seus formadores, porém, César Borges atesta que vê claramente sinais desses autores na obra da escritora.

Carlos Alberto Cardoso Pereira afirma gostar de ficção, mas aquela que tem um sentido, como as criações de Júlio Verne, por exemplo.

A escritora Salete afirma ter se contagiado pela crônica poética, pelo aglomerado de palavras de Mario de Andrade.

Já a autora Talita Salvador conta que em sua faculdade de publicidade havia aprendido o conhecido lema “nada se cria, tudo se copia”.  Afirma ser impossível alguém inventar algo que não tenha influência de nada. Conta ser leitora do britânico J. R. R. Tolkien, especialmente da trilogia “O Senhor dos Anéis” e de Dan Brown (Código Da Vinci).

Wagner Pires revela-se leitor de Shakespeare, de Camões, Cervantes e diz também que sofre influência pelo ambiente cultural do Rock.

Alaercio revela suas bases a partir de seus comentários e diz que a própria escolha do tema para esse encontro, feita por ele, teve origem na obra sobre Guimarães Rosa, na qual vê semelhanças com “A divina Comédia” (Dante Alighieri).

A autora desse texto e blog, obviamente presente e ligada na discussão, revela ter se inspirado a escrever a partir da leitura de “Cem Anos de Solidão”, cujo autor também foi alvo de seus estudos durante o curso de jornalismo, com “Relato de um Náufrago” e “Notícias de um Sequestro”, todos eles de Gabriel García Márquez. Rubem Alves também é um autor que a cativou e que a fez gostar de escrever sobre coisas simples da vida, como o tempo, o envelhecimento etc. ”Também me sinto influenciada pela televisão, pelos telejornais e pelas novelas”.

Acrescentando mais um conceito e tentando fechar a sessão de discussão, César Borges relata concordar com o pensamento da antropofagia de Oswald de Andrade e confessa “comer” elementos de todas as artes, do cinema, da pintura, do romance, da crítica, da filosofia. “Isso vai me trazer algo quando for escrever”, conclui.

Então, continuemos a criar a partir de nossa “alimentação”!


(*)Herbert Spencer foi um filósofo inglês e um dos representantes do positivismo.
(**) William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo.



Lançamentos:


“O pardal espião”, Eliza Muratori – Dia 12 de Novembro, das 18h às 20h, Rua Alvares Machado, 22 – 1.o andar, São Paulo.

 “Vida a granel. Histórias de supermercados”, César Magalhães Borges – Dia 19 de Novembro, na Galeria Metrópole Av. São Luís, 187 - Centro Loja 29, 2º andar São Paulo e Dia 07 de Dezembro, no Espaço Novo Mundo, avenida Salgado Filho, 1453, em Guarulhos/SP.

Alaercio Zamuner  estará lançando em breve seu livro de crônicas, Monte-Sionenses: Chão e Estrelas.

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quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Voz: arma e escudo



Hoje, no primeiro dia oficial do Clube do Livro organizado pelo Sesc Guarulhos, o tema foi “A literatura como caminho para o encontro com vozes de mulheres negras”.
Os exemplos de vozes negras escolhidas vieram dos livros “O ódio que você semeia”, da escritora norte-americana Angie Thomas e Querem nos Calar, uma antologia compilada por Mel Duarte.

O ódio que você semeia é uma história juvenil que trata de um tema que não tem idade: o racismo dos tempos de hoje. A jovem Starr desde cedo foi treinada pelos pais sobre como uma pessoa negra deve se comportar na frente de um policial: não fazer movimentos bruscos, deixar sempre as mãos à mostra, só falar quando lhe perguntarem algo. Quando ela e seu amigo Khalil são parados por uma viatura, tudo o que Starr espera é que Khalil também conheça essas regras. Um movimento errado, uma suposição e tiros disparados. De repente o amigo de infância da garota está no chão, coberto de sangue e sem vida. Indignada com a injustiça tão explícita que presenciou e vivendo em duas realidades tão distintas (durante o dia, estuda numa escola cara, com colegas brancos e muito ricos - no fim da aula, volta para seu bairro, periférico e negro, um gueto dominado por gangues e oprimido pela polícia), Starr precisa descobrir a sua voz. Precisa decidir o que fazer com o triste poder que recebeu ao ser a única testemunha de um crime que pode ter um desfecho tão injusto como seu início. Acima de tudo ela precisa fazer a coisa certa.

A antologia “Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta” reúne poesias de 15 mulheres do slam de todas as regiões do Brasil. Os slams são batalhas de poesia falada com temática livre que comumente abordam temas como racismo, machismo e desigualdade social. 

O machismo e o preconceito racial sempre impediram que a mulher negra ocupasse lugares de destaque em diversas áreas da sociedade. Na literatura não é diferente. A predominância de escritores homens e brancos comprova essa realidade. Usar a voz como arma e como escudo é o objetivo dessas mulheres. Que possamos lê-las e nos inspirar a partir do que dizem essas suas vozes.

#literatura #racismo #mulheresnegras

Quem quer ser santo?


Um conhecido programa de TV pergunta “Quem quer ser um milionário?”. O assunto já virou até filme. É claro que a resposta “sim” predomina. Por ocasião da proximidade da proclamação de Irmã Dulce como santa (37ª Santa brasileira), neste domingo (13), me ocorreu de forma analógica perguntar: Quem quer ser santo?

Aposto que grande parte responderá que não. Existe grande preconceito em relação a ser santo. Lembro-me de uma vez ter chamado a atenção de um garoto por causa de uma travessura. Disse que deveria se comportar, essas coisas que se fala às crianças nesses momentos, no que ele prontamente me respondeu: “Tia, você não vai querer que eu seja santo, né?”.

As pessoas, mesmo as que seguem uma religião, não costumam pensar na santidade como algo a ser almejado. Por alguma razão atribuem esse fenômeno a seres predestinados, que já teriam nascido santos. Outros se referem à santidade como sinônimo de “ser bobo”, “ser ingênuo”.

Acontece que alguns santos não foram tão perfeitos no início de sua vida, sendo às vezes até vilões, mas em confronto com alguma situação, acabaram se convertendo e passando a seguir de maneira exemplar os ensinamentos de Deus. Já Irmã Dulce, que está para ser proclamada santa, teve uma vida toda voltada para os trabalhos assistenciais em comunidades carentes de Salvador, Bahia.

Não é nada fácil ser santo. Mas as pessoas deveriam ao menos cogitar essa possibilidade em suas vidas. Já imaginou que maravilha se tornaria esse mundo, se todos lutassem pela santidade? Nem todos conseguiriam, pois o caminho para a santidade é árduo e doloroso. Há que se abrir mão de inúmeros “desejos” da vida comum e se doar ao outro o tempo todo. Mesmo que não seja assim, de forma tão efetiva, pequenos atos de bondade, de generosidade podem nos levar pelo caminho.

Eu quero ser santa. Sei que estou longe disso. Mas coloquei em minha vida essa meta, a de sempre procurar o bom caminho, a melhor decisão, a melhor palavra, o melhor ato. O exercício é: antes de tomar uma decisão, antes de agir, é preciso pensar nas consequências do que vai fazer. Quem será beneficiado? Quem será atingido? Se a resposta for sempre “eu” para a primeira pergunta e “o outro” para a segunda, algo não está certo.

Quem quiser saber um pouco mais sobre meus conceitos sobre santidade, dei uma palestra há alguns meses, relacionando-a ao alcoolismo, outro tema recorrente em meus escritos. Eis o link: 

https://youtu.be/OKK-edhAfbQ


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