sábado, 17 de julho de 2021

Adaptações: quando a letra se traduz em imagem

 


    O que acontece quando a literatura é levada para o cinema? Normalmente o roteirista se propõe a fazer uma tradução da obra e não uma simples cópia dela. Mesmo porque são linguagens diferentes, com recursos próprios de cada delas. É basicamente transformar em imagem a palavra escrita, mas nada simples.

    É comum que leitores de um livro se decepcionem com a sua versão no cinema. Isso acontece porque o leitor em sua atividade solitária e silenciosa constrói em sua mente imagens de acordo com a sua percepção da história escrita. Ao assistir à adaptação do livro em filme nem sempre a imagem que verá na tela corresponderá fielmente àquela que ele criou. Além de serem diferentes, pode acontecer que sejam criadas cenas que não estão transcritas no livro, que sejam aumentados trechos que no papel eram apenas uma pequena menção e transformados em uma longa sequência de pura ação e emoção. O contrário também acontece, ou seja, várias páginas do livro serem filmadas de maneira rápida e superficial. Não é raro também a inserção na tela de novos personagens ou mudança de suas características.

    Compreensível que isso aconteça, pois nem sempre é fácil ou viável traduzir de forma fidedigna o conteúdo de um livro para o cinema. A literatura é repleta de descrições, de cenários, de personagens, em sua forma, em seu caráter, no sentimento, no humor etc. O cinema muito mais do que trabalhar com a palavra, trabalha com imagens, com movimento de câmeras, com enquadramento, perspectiva, luz, trilha sonora, entre outros. A câmera mostra o que a descrição conta.  

    Não é regra geral, mas ocorre de vez em quando de um filme agradar ao leitor, ou mesmo superar suas expectativas em relação à sua transposição. Há ainda quem se interesse em ler um livro, após assistir à sua versão em filme. Por esse motivo, o recurso pode muito bem ser utilizado para ajudar a quebrar a resistência de jovens estudantes para a atividade de leitura.

    Seja como for, o que importa mesmo é que a essência da criação seja mantida, ou que, no mínimo, grandes obras sejam criadas e possam ser apreciadas, seja por leitores ou expectadores.


Confira algumas dicas de filmes adaptados ou inspirados em livros, contos ou poemas:

O Grande Gatsby – filme de1974 – Com Robert Redford, Mia Farrow, Bruce Dern e Karen Black,  e de 2013 com Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire e Carey Mulligan)  - Romance de F. Scott Fitzgerald

Um Estranho no Ninho - filme de Milos Forman com Michael Berryman, Jack Nicholson, Louise Fletcher, William Redfield – Romance de Ken Kesey

O Curioso Caso de Benjamin Button – criado a partir de num conto de F. Scott Fitzgerald, que, por sua vez, foi inspirado numa citação de Mark Twain: "A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18"

A Vida Secreta de Walter Mitty – Filme dirigido e estrelado por Bem Stiller – Inspirado no conto de James Thurber

A Última Tentação de Cristo – de Martin Scorsese – Romance do escritor grego Níkos Kazantzákis

Uivo – poema Allen Ginsberg que virou filme – tem também versão em animação

O Vestido – filme inspirado no poema de Drummond Caso do Vestido

Os Meninos Que Enganavam Nazistas – filme de Christian Duguay – Livro de Josefh Joffo

O Morro dos Ventos Uivantes – filme baseado no romance de Emily Brontë

Vidas Secas – filme baseado no livro de Graciliano Ramos

O Senhor dos Anéis – filme baseado no livro de J. R. R. Tolkien

Harry Potter – série de filmes baseados na séria de livros de J. K. Rowling

O Conde de Monte Cristo – adaptação do romance de Alexandre Dumas

Os Miseráveis- filme baseado no romance de Victor Hugo

Laranja Mecânica – filme baseado no romance de Anthony Burgess


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Obs.: Texto criado com base nas discussões do XII Encontro de Escritores e Leitores - 16/07/2021.

terça-feira, 6 de julho de 2021

Parasita

    Assisti ao filme “Parasita” ontem, pela Tela Quente da Rede Globo. Mesmo tendo sido o filme de língua estrangeira premiado pelo Oscar no ano passado e, além disso, ter sido vitorioso em mais de 300 premiações do gênero, ainda não tinha tido a oportunidade de conferi-lo.

    Embora com um pouco de atraso, afinal nem tão grave por eu não ser uma especialista da área, senti necessidade de escrever algo sobre ele. Pelo que li em uma breve pesquisa pela internet, muitos foram os que se manifestaram a respeito. Acho que o filme é isso, uma história muito criativa e cheia de mensagens, ao ponto de fazer com que o expectador tenha necessidade de refletir e falar sobre ele.

    É claro que nem todos gostaram, nem todos falaram bem. Li muitas críticas favoráveis, enaltecendo o diretor, atores, o filme todo em si, bem como li ataques ferozes ao mesmo diretor, aos mesmos atores, à história e até aos jurados do Oscar. Foram muitos que odiaram o filme, que viram nele um péssimo exemplo para a sociedade.

    Entretanto, eu acho que as pessoas precisam entender que um filme conta uma história, que não necessariamente tem que servir de exemplo para quem assiste, algo a ser copiado, práticas da vida real a serem perdoadas ou justificadas. Ele pode também, a partir de uma situação extrema, exagerada, nos fazer pensar nos detalhes da vida real, nos sentimentos ocultos, nas frustrações desveladas, nos preconceitos, na sujeira que vai para debaixo do tapete.

    O que mais me remeteu à nossa realidade foi a relativização do certo e do errado. Afinal, quantas pessoas conhecidas ou não, públicas ou não, maqueiam seus currículos, usam o sinal de internet do vizinho, fazem gatos e por aí vai...? Quantas sonegam impostos, empresas ou pessoas físicas, porque dizem ser impraticável arcar com todos eles, sem ter a contrapartida esperada.  Quantos empregados da vida real são submetidos aos desejos de seus patrões e são obrigados a abrir mão de seus dias de folga para trabalhar, recebendo horas extras é claro, ou não? Quantos pessoas são distinguidas pelo “cheiro de quem pega transporte público”? Onde estariam os parasitas do filme?

    Para quem ainda não assistiu, apenas para dar mais uma dica de quanto o filme surpreende, peço atenção para a importância da arquitetura da casa. Ela quase que se torna uma personagem da história, tamanho o seu simbolismo.

    Por fim, destaco mesmo o desfecho, a decisão final tomada por um dos personagens. Quais seriam as chances de o último plano traçado chegar ao seu final com sucesso? Mas se elas são pequenas, o que se justificaria não seria a trajetória tomada e não propriamente o seu resultado?

    Eu não tenho o objetivo de trazer respostas a esses questionamentos. Faço essas observações para que apenas cada um de nós reflita, sempre, no seu dia a dia, a cada ação planejada, a cada decisão tomada, a cada passo dado em nossa caminhada nesta vida, se eles são, realmente, coerentes com nossos valores e com o que esperamos das outras pessoas.

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