No Palácio do Arvorado:
─ Tenho uma audiência com o presidente. Pode me anunciar, por favor?
─ Ah, sim, senhor ministro, estávamos aguardando o senhor, porém, o presidente teve um pequeno imprevisto e pediu para o senhor aguardá-lo por alguns minutos.
─ Huhum, imprevisto. Sei. Tá certo. Onde eu posso aguardar?
─ Por aqui,
por favor.
Sentado em um
confortável sofá na sala de espera, o ministro da Guerra ocupa-se com um
joguinho de batalha no celular. Dispara sem dó a metralhadora, TRRRRRRRRRRR
TRRRRRRRRRRR, depois joga uma granada...BRUMMMMM. Tão distraído, não percebe o
desfile de ratos por trás do móvel. Os animaizinhos têm os olhos fixos no
visitante, como se o admirasse, e vão aos poucos fazendo um cerco em volta
dele. A concentração de ambos se quebra com a chegada do capitão, que com sua
voz estrondosa espanta os moradores indesejados e acena para o súdito que vem
ao seu encontro.
─ Que diabos, Mirele, ainda não acabaram com essa infestação de ratos, orra! Eu não consigo entenderrrr qual é a dificuldade de se acabarrr com esses minúsculos bichos. Taca veneno neles, caramba! Cloroquina, sei lá, qualquer coisa. O que não pode é eles ficarem aqui, cercando os convidados. Merda!
Há tempos o órgão responsável pela administração do patrimônio vem promovendo sucessivas desratizações, até o momento sem sucesso. Os invasores parecem se sentir muito à vontade no ambiente e se proliferam em uma velocidade muito maior do que a normal de modo que a cada animal exterminado, uma nova ninhada aparece.
Um pouco sem jeito, o ministro Braguilha Neto pergunta: ─ O que o senhor disse, capitão?
─ Eu disse “merda”, orra! Tá saindo aqui do meu buraco, kruhrhrhrhrhr , o buraco da espetada, aqui na minha barriga. Eu não sei mais o que fazerr, tá saindo muita merda pra todo o lado, todo o dia. Não estanca isso aqui, orra!
Desde 2018, época em que sofreu um atentado a peixeira, o presidente já passou por inúmeras intervenções cirúrgicas para tentar fazer com que a ferida cicatrize e o fluxo intestinal se normalize. Entretanto, estranhamente, não conseguem fazê-lo por completo, a secção sempre volta a se abrir e o conteúdo fecal recomeça a transbordar sem controle.
A essa altura o ministro imagina a situação e instantaneamente lhe vem às narinas um fedor de estrume, com um pouco de enxofre no meio. Faz uma careta, mas tenta mudar de assunto.
─ O senhor vai querer o desfile de 7 de Setembro como, capitão? Muitos soldados, com fuzis, tanques, o que mais?
─ É manda um monte de recrutas aí, todos fantasiados, quero dizer, uniformizados, forrrtemente arrrmados e com cara de macho, tá ok? Num quero nenhum florizinha, não. Ah, e quando for escolherrrr os tanques, vê se não traz aquelas carroças do outro dia, soltando aquele fumacê danado. Ceis tão querendo me desmorizarrr com aquilo, não tão? Manda coisa de primeira linha, capacete!
─ Mas, capitão, infelizmente nós não temos tantos equipamentos em bom estado assim, né? As verbas disponíveis temos direcionado pra melhorar o soldo, os penduricalhos dos cabeças e garantir o apoio deles, né? O equipamento não dá suporte se não tiver o cabra lá, manejando ele, o senhor sabe.
─ Tá certo.
Mas vê se não esquece de escalarrr a turma do cercadinho, heim? Eles não podem
faltarrr. Avisa que quem num tiver aqui
na hora e vestindo a camisa do Brasil não vai receberrr.
─ Não tem
perigo, chefe. Eles já estão fechados com o senhor e já sabem tudo o que têm
que fazer e falar. Fique tranquilo. E o pessoal das redes sociais também, já começaram
as postagens. Tudo pago e garantido.
─ Ah, outra coisa, chama aquele grandão, o cantor lá, fala que ele não pode recuar agora, não. Ele conseguiu a prótese que queria, não conseguiu? Agora não venha com essa conversinha de que tá deprimido e coisa e tal. Isso não é coisa de macho! Manda ele virá home, já que tá com o equipamento em dia, orra!
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