O assunto surgiu a partir do livro “Argumentação contra a morte da arte”, de Ferreira Gullar, em que ele grafa a frase “Quando tudo é arte, nada é arte”.
Não cabe aos escritores o papel de determinar de maneira impositiva “isto é arte”, ”aquilo não é”. Na verdade, estamos muito mais para ser julgados dessa forma, por nosso trabalho, do que para julgar. Entretanto, podemos refletir sobre isso, tanto para termos uma visão mais ampla dos mecanismos que envolvem a produção e a exposição de arte pelo mundo, quanto para que nós mesmos possamos avaliar aquilo que estamos produzindo.
De acordo com Gullar, o movimento impressionista do século XIX não foi bem compreendido pelos críticos, que fizeram pouco dele, mas, que passados poucos anos, acabou ficando evidente que havia grandes gênios entre os artistas da época. Monet, Van Gogh, Renoir... são exemplos incontestáveis disso.
Desde então, os críticos passaram a não ter tanta coragem de falar mal de qualquer novidade que surja, elevando ao topo manifestações de qualidade muitas vezes questionáveis. Quando tudo que é novidade passa a ser celebrado, há uma perda dos parâmetros que definem o que é bom do que não é.
O fazer do artista é construir-se fora de si mesmo, tirar algo de si, construir uma linguagem. Mas para isso deve haver um processo criativo, partir de muito trabalho, pensado e executado, e principalmente baseado em estudos, em execução de técnicas.
Tem de haver a intencionalidade. O “acidente” é bom e pode acrescentar brilho a uma obra, e fazer com que se destaque positivamente perante outras. Um exemplo foi o momento da gravação pelos Beatles de uma canção chamada I feel fine. John Lennon esqueceu a guitarra ligada e a encostou no amplificador. O resultado foi um som de microfonia, que casou bem com a canção e acabou sendo incorporado a ela.
Um tipo de acidente como o citado pode ajudar na composição de uma bela obra, mas não é o que determina por si só a sua criação. Para que ele seja incorporado, vai depender da sensibilidade do artista. Um simples espalhar de tinta sobre uma tela, impulsionada pela força da gravidade, não fará dela um grande quadro.
Muitas obras de arte atuais são criadas a partir de técnicas em que o autor não se constrói tanto fora de si, não se coloca tanto na obra, não retira tantos elementos do seu interior para compô-la. Embora, muitas vezes, encontre uma forma diferenciada de criação, o faz muito mais de maneira mecânica.
É claro que Marcel Duchamp encontrou uma maneira inusitada ao levar um urinol para o Salão de Artes de Paris. Mas foi um gesto de provocação, que tinha muito a ver com o futurismo que estava surgindo na época, em que havia grande valorização pela produção industrial. Além disso, era um excelente pintor, executor de belos quadros. Também queria dizer que um objeto, deslocado de sua função original, pode assumir uma função estética e virar arte. Mas não dá para concluir que qualquer objeto alcançará esse objetivo meramente por seu deslocamento.
Para compor, um músico precisa de um mínimo de conhecimentos prévios para tal. Não é qualquer um que sai por aí escrevendo um poema. Ainda que seja um poema surrealista, ele precisa conhecer o surrealismo. Ainda siga a escrita automática surreal ou a prosa espontânea dos Beatniks. O mesmo acontece na dança, na escrita, no teatro etc. Todas as modalidades de arte precisam desse embasamento teórico.
Estamos vivendo a era da Inteligência artificial. Chat GPT
(Generative Pre-trained Transformer) é uma tecnologia de processamento de
linguagem natural desenvolvida pela OpenAI. Ele é um modelo de linguagem
treinado com milhões de exemplos de texto, o que o torna capaz de gerar novos textos
de forma autônoma e responder a perguntas em diversos idiomas.
Quando um robô “escreve” um texto, cria uma redação, uma história, uma música, isso não quer dizer que esteja fazendo arte. O que ele faz é resultado de uma experiência artificial. Inexiste o processo criativo.
Essa tecnologia atual lembra de longe também à técnica dadaísta, de se construir poemas, na qual se coloca palavras aleatórias em um saco, que, à medida que vão sendo retiradas, vão se transformando em poesia.
O olhar de quem desfruta da arte tem muito a ver com o que ela é. A arte precisa ter beleza. Não a beleza tradicional, padrão, mas uma beleza reveladora. A beleza muitas vezes da dor sublimada, transcendida. Expressão criativa é muito saudável, principalmente para quem faz. A arte é uma expressão criativa que não reflete apenas quem cria, mas também inúmeras pessoas que se sensibilizarão com ela. É importante que ela tenha conteúdo e estética e que revele algo.
Conteúdo e estética sozinhos não fazem arte. A arte é tomada de consciência.
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