Estamos na era das faturas
digitais – as árvores do planeta agradecem – mas há 20 anos era diferente. As
pessoas costumavam acumular toneladas de papeis e seus comprovantes de
pagamento, muitas vezes até acima do prazo estipulado por lei, em sua maioria
cinco anos. Felizmente, a partir de 2009 as empresas ficaram obrigadas por lei
a fazer constar em uma fatura a declaração de quitação dos anos anteriores,
permitindo que se descartasse parte do volume acumulado. De uns anos para cá,
aos poucos, os pagadores vêm sendo cada vez mais estimulados a receber apenas
uma fatura digital, por e-mail ou via SMS.
Na casa de meu pai há um armário que
estava repleto de caixas de documentos, os quais eu praticamente ignorava. Até
que o próprio móvel resolveu dar uma forcinha pra minha memória: meses atrás a velha
estante veio abaixo, praticamente me obrigando a dar um destino para tudo
aquilo. Na época, a única atitude que tomei foi colocar as dez caixas de arquivo
morto no carro e transferi-las para o quarto da bagunça aqui do meu
apartamento.
Só agora, na última semana do
ano, resolvendo tirar o nome “bagunça” desse cômodo, abri as caixas. Encontrei
faturas e comprovantes de 1988 a 2005, organizados por dia, mês e ano. Contas
de luz, telefone, internet, condomínio, mensalidade de faculdades, cursos, cartões
de crédito, extratos bancários. Uma estranha sensação tomou conta de mim. Lembrei
de todo o sacrifício que fiz para manter em dia aquelas contas, quantos
malabarismos, quantas vezes entrei no
cheque especial, quantos empréstimos bancários e até no financeiro de lojas
tive que contratar. Que infinidade de juros absurdos deixei nos cofres desses
agentes financeiros! O cobertor era curto e eu ficava sacando de um lado para
cobrir o saldo negativo do outro. Não foi nada fácil. Não que agora seja, mas,
hoje estou um pouco menos sufocada e mais controlada nos gastos.
Havia faturas de cartão que tinham
o nome de minha querida mãe, que aumentaram ainda mais a saudade que sinto
dela. As contas telefônicas me lembraram das “broncas” que eu dava por ela falar
demais com minha irmã ao telefone, de fixo para celular, o que jogava o valor
lá para cima. Achei um processo de um salafrário que passou a conversa nela e
lhe vendeu um purificador de água fajuto, para o qual eu deixei sete cheques
pré-datados que ele descontou juntos, no mesmo dia. Tínhamos tantos problemas
em casa que resolvi abafar o caso, para não deixá-la mais nervosa. Engoli o prejuízo
e desisti de recorrer à justiça, também por falta de tempo, porque eu trabalhava
em outra cidade.
Junto a um carnê da escolinha de
futebol de meu sobrinho, achei um “contrato” firmado por ele quando tinha dez
anos se comprometendo a estudar e a se comportar bem, para que eu bancasse a
despesa. Achei um recado escrito à mão de meu pai para mim e uma carta minha para
ele (como eu ficava a maior parte do tempo longe, era comum nos comunicarmos
assim).
Ao rasgar todos aqueles
documentos (guardei apenas o bilhete, a carta e o “contrato”) senti o peso dos
anos nas costas e a constatação de que vivemos para pagar contas. Apesar disso,
resolvi olhar também para o outro lado: ter tantas contas pagas significava que
eu tinha tido moradia, telefone e acesso à internet (nem sempre havia sido
assim), planos de saúde (que felizmente foram pouco utilizados ao longo de todo
esse tempo), alimentação, vestuário, eletrodomésticos, carro, entre outras
regalias que muita gente não tem. Além disso, se estavam pagas é que porque eu
tive um salário fixo para arcar com todas elas. Tive o orgulho de amparar minha
família quando foi necessário. Estava tudo ali, uma vida em contas, um
privilégio de poucos pelo qual só tenho a agradecer a Deus.
Se você tem contas pagas,
agradeça também. Se tem algumas em atraso, tenha fé em Deus e se prepare para o
que ele lhe reserva.
Feliz contas em 2019!
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