Há alguns dias fui desafiada por
um agente de pastoral da Paróquia São Joaquim e Sant’Ana, em Campinas, a dar um
testemunho durante a Semana de Animação Pastoral, relacionando Alcoolismo à
Santidade. A santidade era o tema do encontro. O motivo do convite foi em
virtude de eu ser autora do livro “Código 303 – Uma reportagem sobre o
Alcoolismo, a doença na negação”. Depois
que o livro foi publicado, tenho feito palestras de divulgação e ao mesmo tempo
falado sobre a doença, tentando trazer esse tema para discussão na sociedade.
Mas não era exatamente sobre o livro que eu iria falar.
Iniciei com a minha visão de
santidade. Acho que o mundo poderia ser muito melhor se a maioria das pessoas
tivesse como objetivo alcançar a santidade.
Infelizmente ser santo, às vezes, soa como ser bobo, ser sem graça. Ser
vilão dá muito mais ibope, é associado à coragem, à esperteza. Não é à toa que atores
e atrizes comemoram quando recebem um papel de vilão. Exercitam o seu talento
fazendo maldades e normalmente fazem muito sucesso. Na ficção, tudo bem, mas
não podemos confundi-la com a realidade. Nós cristãos, que conhecemos e somos
devotos de muitos santos, pessoas comuns que viveram uma vida muitas vezes
parecida com a nossa, mas, que por suas ações em vida, alcançaram a santidade, podemos
sim almejar o mesmo para nós, com nossas ações.
Voltei, então, ao alcoolismo, explicando
que muita gente não sabe que ele é uma doença. Existe o beber social, mas,
quando um indivíduo fica dependente do álcool, por fatores genéticos, orgânicos,
psicológicos, culturais, por “n” fatores que a ciência classifica como
complexos e interligados, essa dependência leva a sofrimento e perdas. O
individuo passa a priorizar o consumo do álcool cada vez em maiores quantidades
em detrimento da família, do trabalho, dos amigos, dos sonhos. Tudo acaba
perdendo importância e o álcool passa a comandar a vida dessa pessoa. É uma
situação muito difícil, para quem fica dependente e para quem está a sua volta,
os chamados co-dependentes. Há quem diga
que o sofrimento ainda é maior por parte desse segundo grupo, que afinal, é
quem está mais ciente da realidade e que sofre mais com as suas consequências.
Como então seria a busca pela
santidade de quem é dependente de álcool ou de outra substância química? A
dependência afasta a pessoa da realidade, faz dela um ser egoísta, com muita
dificuldade de enxergar o sofrimento que a sua situação provoca. Temos que
invocar essa busca pela santidade nos momentos em que essa pessoa está sóbria,
nos poucos momentos em que ela consegue ver dor à sua volta. Nesse momento, a
fé, a oração, o querer praticar o bem, o querer ter ações santas, podem
fornecer a esse doente a força pra lutar contra a dependência, para buscar
ajuda, seja no AA (Alcoólicos Anônimos), seja em um CAPS AD (Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e Outras Drogas), locais que oferecem atendimento e
tratamento da dependência. Não é fácil, mas, conseguir admitir o problema e
buscar ajuda podem ser os primeiros passos de um dependente a caminho da
santidade.
Para aqueles que sofrem com a
dependência de alguém a busca pela santidade passa pelo caminho da
compreensão, da compaixão. Não é santo nutrir raiva, esperar que a pessoa
morra, para ficar livre daquele sofrimento. Eu já ouvi filhos dizerem isso dos
pais, esposa dizer isso de marido e assim por diante. É claro que esse não é o
caminho da santidade. Só que ter compaixão não pode ser confundido com ser conivente,
submisso ao doente. Maridos ou esposas que bebem em excesso podem se tornar
violentos com seus cônjuges, com os filhos. Filhos dependentes podem passar a ser
violentos com pais, com avós. Não se trata de aceitar e se calar, com medo. O
caminho para a santidade é entender, mas, deixar claro quando o indivíduo
estiver sóbrio, obviamente, que a família está sofrendo com aquela situação e
que é preciso procurar ajuda. Pagar os prejuízos causados por um alcoolista, ou
mentir para o seu chefe quando ele faltar ao trabalho, não ajuda em nada
também. O caminho da santidade para os co-dependentes passa, portanto, também pela
fé, pela oração e pelo desejo de ajudar o indivíduo a enfrentar a doença e
buscar seu controle.
Quando as pessoas na rua zombam
de um bêbado, não estão praticando uma boa ação. É comum achar engraçado, fazer
piadas ou até judiar de um morador de rua alcoolizado ou drogado. Para a
sociedade, buscar a santidade frente ao alcoolismo é se informar sobre a
doença, não fugir do assunto (embora ela seja a doença da negação), conhecer
para enfrentá-la, estender a mão para quem precisa, fazendo o que estiver ao
seu alcance. Rezar e pedir a Deus por eles.
Aqueles que estão no comando das
indústrias de bebidas, setor importante para a economia do país, precisam
buscar a santidade observando e combatendo o uso inadequado que muitos poderão
fazer de seus produtos, desenvolvendo e veiculando ações, campanhas de
conscientização, produzindo e comercializando com responsabilidade.
Cabe ao governo manter e
intensificar ações que combatam o Alcoolismo, sempre fazendo campanhas,
acompanhando os centros de atendimento para que o façam com excelência,
divulgando esse atendimento para que chegue realmente a quem precisa. Agindo
assim, esse governante também estará buscando a santidade.
Finalmente compartilhei com todos
a minha história de filha de um alcoolista. Atualmente meu pai tem Alzheimer,
muito possivelmente provocado pelo uso excessivo do álcool. Porém, essa
substância também deteriorou a sua relação com a família, o seu casamento, a
sua carreira como ótimo carpinteiro e marceneiro que era. Foi uma vida muito difícil a nossa. O álcool
fez com que meu pai desperdiçasse o grande amor que sentia pela minha mãe.
Foram muitos anos de discussões intermináveis. Quando ela adoeceu, ele também
já estava com o Alzheimer e Deus permitiu que ela se esquecesse de toda a mágoa
que trazia no peito por aquela vida tão sofrida. Foi um momento lindo, a
primeira vez em que vi os dois de mãos dadas, como namorados.
Falando sobre meu pai, eu poderia
contar nos dedos de apenas uma mão, as vezes que o havia visto entrar em uma
igreja. Não tinha sido sempre assim, no início do casamento eles a frequentavam
juntos, até que o álcool tomou conta de tudo. Às vezes, ele comparecia a um
casamento ou um funeral, mas, não via a hora de sair. Quando completaram 50
anos de casados, minha mãe colocou o nome deles na missa. Só que meu pai não
foi. Fomos apenas eu e ela e foi desconcertante quando o padre chamou o casal
para abençoar.
Minha mãe sempre foi minha
companheira na missa de domingo. Quando ela se foi, eu voltei todas as minhas
atenções para ele. Aos domingos eu fazia o café e corria para a missa das 8h30.
Voltava correndo pra não deixá-lo sozinho. Mas ele já havia começado a ouvir o
chamado de Deus e um dia me pediu para ir comigo. Começamos então a frequentar
a missa das 10 horas e há seis anos isso vem acontecendo, com raríssimas
exceções. No início, na hora da comunhão ele ficava sentado e eu ia receber a
eucaristia. Um dia, me perguntou se poderia comungar também. Foi mais um
milagre maravilhoso que aconteceu bem naquele corredor da igreja onde eu dei esse
testemunho. Na ocasião, senti a ação do Espírito Santo em nossas vidas e jamais
irei esquecer.
Finalizei dizendo que é assim que
nós, eu e meu pai, continuamos nossa caminhada, em busca da santidade.
Quem quiser e tiver um tempinho
pode ver o vídeo. Tem 17 minutos, é caseiro, a pessoa que filmou não estava na
posição ideal, mas, traz esse conteúdo com emoção e devoção dessa jornalista de
fé.
Link do vídeo no yoututbe: Alcoolismo e Santidade - YouTube
#alcoolismo #santidade #dependência
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